Trocar para não mudar

Conforme amplamente divulgado, a comissão de sindicância do Senado Federal descobriu 663 dos chamados “atos secretos”. Dentre as diversas funções destes atos estão a nomeação para cargos de confiança, decisões administrativas do Senado, aumento de benefícios e mudanças de cargos, além da ampliação do número de assessores dos senadores.

A comissão levantou a possibilidade de que alguns documentos não foram publicados por “falha humana”, por “erro operacional” ou ainda por “deficiência na tramitação e publicação dos atos”. Mas também afirma que pode ter havido intenção deliberada no sentido de não se divulgar tais atos, mantendo-os como secretos.

Como se sabe, todo ato jurídico precisa ter as seguintes características: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nesse sentido, não basta apenas a assinatura do responsável para que o ato jurídico entre em vigor: é necessário sua publicidade para que a população tome conhecimento dos mesmos (a não ser que vivêssemos em uma ditadura, o que não é o caso). Não é à toa que toda lei termina com uma frase padrão: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”. E os próprios atos trazem esta frase, tanto o primeiro – “publicado” no boletim 1348, de dezembro de 1996 – quanto o último, “publicado” no boletim 4139S1, de janeiro de 2009. E aí surge a pergunta: tais atos têm validade?

Para tentar resolver o problema, a Mesa Diretora do Senado tomou duas atitudes “incríveis”:

1) Até o momento, anulou um ato – que dava plano de saúde vitalício ao diretor-geral e ao secretário-geral do Senado;
2) Exonerou o diretor-geral, Alexandre Gazineo, e o diretor de recursos humanos, Ralph Siqueira, envolvidos no escândalo.

Pergunto-me: muda alguma coisa? Com certeza não. Segundo o jornal “O Globo”, o novo diretor-geral, Haroldo Tajra, é ligado ao senador Efraim Morais (DEM-PB) – um dos senadores cuja assinatura consta em alguns atos secretos. Já a nova diretora de recursos humanos da Casa, Doris Marise Peixoto, já foi chefe de gabinete de Roseana Sarney. Em outras palavras: é a tática de “mudar para que se mantenha o mesmo”, “trocar para não mudar”. Ou alguém acredita que, em um país cujas lealdades pessoais estão acima da lei, em um país com a noção de patrimonialismo tão arraigada como o nosso, estes novos diretores irão, “de repente”, se voltar contra aqueles que os criaram e vão alterar alguma coisa?

Mais uma vez somos obrigados a voltar à questão patrimonialista no Brasil. Enquanto houver a errônea ideia de que vale mais a pena passar por cima do ordenamento jurídico e ser leal ao amigo, ao compadre, ao correligionário, pouco irá mudar no Brasil. Enquanto presidentes que se dizem vindos “do povo” continuarem afirmando para este mesmo povo – em sua maioria inculto politicamente, para não dizer academicamente – que “fulano não deve ser julgado porque já prestou serviços para o país”, enquanto políticos exagerarem e acharem que o que a mídia faz é apenas “denuncismo”, pouco irá mudar. Enquanto houver a confusão do público com o privado por aqueles que mais deveriam se isentar de tal confusão, o Brasil, infelizmente, “não irá pra frente”.

Obs.: uma lista com todos os boletins nos quais os atos secretos foram publicados está disponível aqui.

0 comentário em “Trocar para não mudar”

  1. Caro Professor,

    Parabéns, os assuntos tratados são extremamente relevantes, e acrescentam muito aos nossos parcos conhecimentos sobre a realidade política brasileira.

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