Mais personalização da política brasileira

Como amplamente divulgado, terminou no último sábado, dia 03 de outubro de 2009, o prazo para filiações aos partidos políticos tendo em vista as eleições do ano que vem. E mais uma vez os partidos, por meio da aceitação de filiação de “famosos”, apostam na longeva tradição brasileira de personalizar a política.

Matéria do portal G1 mostra que estes são os possíveis candidatos: “Gaúcho da Fronteira” (cantor de músicas típicas do sul do Brasil), Elymar Santos (cantor), Gabriela Leite (dona da Daspu), Kleber Bam Bam (vencedor do 1° BBB), Andréia Schwartz (responsável pela queda do governador de Nova Iorque), Joãosinho Trinta (carnavalesco), Mirla (ex-BBB), Danrlei (ex-jogador do Grêmio), Marques (jogador do Atlético Mineiro), Doris Giesse (ex-apresentadora de TV), Salete Campari (drag queen em SP), Romário (ex-jogador de futebol), Edmundo (ex-jogador de futebol), Harlei (jogador do Goiás), Müller (ex-jogador de futebol), Andrés Sanchez (dirigente do Corinthians), Marcelinho Carioca, Acelino Freitas, o Popó (ex-boxeador), André Gonçalves (ator), e, por fim, Protógenes Queiroz (delegado da Polícia Federal). Isso, é claro, fora outros que não foram abrangidos pela reportagem do G1.

Por que os partidos aceitam e estimulam a presença de famosos em seus quadros? Porque querem se beneficiar daquilo que considero como uma das principais falhas do sistema eleitoral brasileiro: o sistema de lista aberta para as eleições proporcionais. Além disso, é óbvio que os partidos se utilizam da total ignorância da grande maioria do povo brasileiro a respeito de como se dão as eleições, buscando, assim, um grande número de votos.

A título de uma breve explicação, é necessário dizer que quando votamos para um candidato do poder Legislativo, em qualquer esfera – menos para o caso do Senado –, os votos contam, em primeiro lugar, para a “legenda”, ou seja, para o partido. Assim, o cidadão acha que está votando no candidato A quando, na verdade, está dando seu voto para o partido X. Essa é a primeira falha no Brasil: não o sistema em si, mas o desconhecimento da população de tal fato. A grande maioria acha que está votando no candidato quando, na verdade, está dando seu voto para o partido do candidato – e quem ganha as vagas, na verdade, são os partidos, não os candidatos.

A segunda definição teórica fica a respeito da diferença entre lista aberta e lista fechada. No sistema de lista fechada, os partidos definem previamente o ordenamento dos candidatos, cabendo aos eleitores exclusivamente votar na legenda. É o sistema adotado na grande maioria dos países com forma de governo parlamentarista. Já no sistema de lista aberta o ordenamento dos candidatos é definido apenas pelos eleitores: os votos recebidos pelos candidatos das listas são somados e o total é utilizado para definir o número de representantes que caberá a cada partido. Os candidatos que obtiverem mais votos individualmente em cada lista estarão eleitos. É o sistema adotado no Brasil.

Um exemplo rápido: temos o partido X, e neste temos o candidato A (primeiro na lista registrada junto ao TSE), o candidato B (segundo na lista), o candidato C (terceiro na lista) e o candidato D (o quarto na lista). Suponhamos que o candidato A tenha recebido 10 votos, o B tenha recebido 20 votos, o C tenha recebido 15 votos e o D tenha recebido 25 votos. Suponhamos ainda que o partido X tenha direito a duas vagas para deputado federal. Neste exemplo hipotético, pelo sistema de lista fechada estariam eleitos os candidatos A e B – pois eles são os dois primeiros na lista definida pelo partido. Já no sistema de lista aberta estariam eleitos os candidatos D e B, pois foram eles, nesta ordem, que obtiveram o maior número de votos dentro do partido.

E nessa história toda, onde entra o personalismo citado no primeiro parágrafo deste texto? No fato de que, como os votos contam para o partido, e não para o candidato, os partidos aceitam a filiação de tantos famosos quantos forem possíveis, apostando na tradição brasileira de desconhecer o nosso sistema eleitoral e ainda na nossa tradição personalista, que prefere enxergar pessoas – e não instituições – no comando político. Assim, ao ter um famoso em seus quadros, pode ser que tal famoso consiga um número muito grande de votos – devido à sua fama, e não necessariamente devido às suas qualidades como “homem político”, como diria Max Weber – o que contribui para o coeficiente partidário, garantindo ainda mais vagas para o partido.

Foi o que aconteceu nas eleições para deputado federal em 2002: o então partido PRONA recebeu 1.635.393 votos, que levou à eleição de 5 candidatos que tiveram a seguinte votação: 1) Eneas Ferreira Carneiro, com 1.573.642 votos; 2) Amauri Robledo Gasques, com 18.421 votos; 3) Irapuan Teixeira, com 673 votos; 4) Elimar Maximo Damasceno, com 484 votos; e 5) Ildeu Alves de Araujo, com 382 votos. E aí pergunto a você, meu caro eleitor: São Paulo teve 19.617.270 votos válidos em tal eleição. Será que alguém com 382 votos dentre 19.617.270 votos efetivamente representa alguém? E aos que perguntarem “como ele conseguiu se eleger?”, volto aos pontos já destacados: 1) Personalismo da política brasileira, que vinculou a política ao Eneas e seu bordão “Meu nome é Eneas”, e não à instituição do partido político; 2) Desconhecimento, por parte da população brasileira, de nosso sistema eleitoral, que fez com que os paulistas votassem no Eneas imaginando que ele seria seu representante, sem saber que o voto era do PRONA.

Propostas para alterar tal situação existem, desde a implantação do sistema puro de lista fechada, passando pelo voto distrital e ainda pelo voto distrital misto. Mas a mudança mais importante está no conhecimento da população – que atualmente, arrisco-me a generalizar, é ausente. Enquanto o povo brasileiro continuar acreditando em pessoas, em um “salvador da pátria”, e não em instituições, não importará qual o sistema eleitoral utilizado: infelizmente, nada será mudado.

Deixe um comentário