Sobre o Muro de Berlim (1)

O leitor que visitou meu blog na última semana viu que coloquei aqui uma série de reportagens de outros sites a respeito da queda do Muro de Berlim, que hoje completa 20 anos. O objetivo foi o de mostra um pouco de um dos eventos mais importantes do século XX e que continua a influenciar o nosso século atual, ainda que muitos não se deem conta disso.

Pouco falarei aqui a respeito da história do Muro: todos já devem até mesmo estar cansados de ouvir como e por que o Muro foi construído, pois afinal de contas falou-se muito sobre o tema nos últimos 5 dias devido à iminente comemoração. Eu mesmo já havia escrito sobre o tema certo tempo atrás (ver aqui), e meu objetivo aqui é outro: não falar sobre o Muro, mas sobre as consequências que o fim do Muro nos trouxe.

A primeira reação foi de vitória. Os ocidentais, simbolizados pelos Estados Unidos, mostraram-se como vitoriosos ao mundo por terem derrotado seu inimigo da Guerra Fria – o “comunismo” da União Soviética. Eram vitoriosos porque a mudança foi realizada “sem nenhum tiro”, como tem enfatizado bastante a mídia brasileira nesses últimos dias. E eram ainda mais vitoriosos porque a mudança foi realizada pelo “povo”, pela “vontade do povo”, e o “povo”, nas democracias liberais, é uma entidade metafísica que representa “tudo de bom” – afinal de contas, quem quer ser contra o “povo”? O “povo” venceu – e assim chegava ao fim o Muro de Berlim.

A segunda reação foi de euforia. Todos devem ter visto na TV, nos últimos dias, as diversas imagens de alemães orientais chorando e sorrindo por encontrarem seus pares ocidentais. Acreditava-se, à época, que todos os erros realizados nos 40 anos de comunismo na Alemanha Oriental seriam revertidos, corrigidos, e todos “viveriam felizes para sempre” – e isto, é claro, em um curto período de tempo. Afinal de contas, agora que o Muro caíra, agora que o governo da Alemanha Oriental caíra, era questão de tempo viver com toda a opulência e fartura que havia na Alemanha Ocidental.

A terceira reação, extremamente vinculada à primeira, foi de satisfação intelectual. Diversos círculos acadêmicos decretaram “o fim da história” – sendo este o título do artigo acadêmico mais importante da época, escrito por Francis Fukuyama. A derrocada do Muro de Berlim representava o fim da história no sentido de que não haveria mais o que fazer: bastava abraçar o capitalismo como sistema econômico e a democracia liberal como sistema político que tudo estaria bem. Afinal de contas, a única opção ao binômio “capitalismo-democracia liberal” – o comunismo totalitário, na visão de tais autores – não mais existia na prática (afinal de contas, China, Cuba, Vietnã e Coreia do Norte não existiam naquele momento). Ora, se no mundo bipolar de então – no qual não havia meio termo, e ou se era capitalista ou comunista – uma das opções deixara de existir, sobreviveria apenas a outra opção, destino natural de todos os países ao longo de suas histórias.

Mas aí veio a quarta reação: a decepção. A decepção, em primeiro lugar, dos alemães orientais, que viram a promessa do “paraíso” escoar pelas mãos como água: mudanças ocorreram, é claro, mas não foram capazes de satisfazer os anseios da população. Os níveis sociais da Alemanha Oriental ainda são inferiores aos da Alemanha Ocidental: a título de exemplo, o desemprego caiu de 19% para 11% – enquanto que, na área da Alemanha Ocidental, o desemprego é de 7%.

Veio também a decepção intelectual. O “fim da história” prometia uma era de ouro para o neoliberalismo, para o capitalismo e para a democracia, com a respectiva “facilidade de análise” da sociedade. E a era de ouro não veio. É certo que o capitalismo obteve grande desenvolvimento, especialmente no início do século XXI, mas tal desenvolvimento não foi capaz de transformar o capitalismo em si em um sistema que tivesse grande legitimidade – parece que ele é aceito muito mais com aquela ideia de “fazer o que se não há outra opção?” do que com verdadeiro entusiasmo.

Outra decepção diz respeito à segurança do mundo. Com o fim do comunismo e do “Império do Mal”, como diria Ronald Reagan, o mundo seria mais seguro – afinal de contas, não haveria mais a ameaça da Guerra Fria, não mais haveria o perigo do Ocidente ser atacado a qualquer momento pelos “comedores de criancinhas”, não haveria mais o medo de uma ogiva nuclear cair sobre as cabeças ocidentais. Mas o que aconteceu no mundo? Trocou-se um inimigo “certo” – a União Soviética, o Pacto de Varsóvia – por outro muito mais difuso – o terrorismo. Trocou-se um inimigo que funcionava em termos militares tradicionais, com forças armadas claramente estabelecidas, por outro que trabalha na forma de guerrilha, se incrustando silenciosamente nas diversas camadas de todas as sociedades e que traz muito mais medo e muito mais consequências negativas para a população. Não é à toa que vários filmes americanos de espionagem, de forma irônica, em um momento ou outro trazem a frase “ah, como eu sinto falta da Guerra Fria”…

Em suma, a queda do Muro de Berlim marcou o fim de uma era e o início de outra – que não necessariamente é melhor, mas com certeza é muito mais complicada de ser analisada em todos os sentidos: político, econômico, social e ideológico, dentre outros.

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