O pensador que desmistificou o Estado e seus governantes

Shirlene Rodopoulos

Pouca gente tem conhecimento que Niccolò Machiavelli, aquele Italiano que nasceu em Florença em 03 de maio de 1469, é também conhecido como OLD NICK, ou seja, uma velha expressão Elisabetana para velhaco e traiçoeiro. No entanto Maquiavel é um dos mais originais pensadores do Renascimento, uma figura brilhante e com um pensamento verdadeiramente original.

Foi o precursor da ciência política moderna, escreveu sobre o Estado e os Governantes. Em uma linguagem crua e sem nenhuma máscara, desmistificou o Estado e os seus governantes, como realmente são e não como deveriam ser. Com essa forma de expor seu pensamento tratou a política de maneira diferenciada das abordagens feitas pelos seus precursores como Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Dante, que conjecturavam a política como deveria ser ou como gostariam que fosse.

Na Itália de 500 anos atrás, viveu esse jovem que se tornou diplomata aos 29 anos, tendo experimentado ascenções e quedas de governantes e vendo o poder passar de mão em mão, praticamente de duas a três vezes por ano. Foi na vivência e estudo dedicado que aprendeu, relatou e deixou um memorial para a posteridade.

Morto ao 57 anos em 1527, contribuiu muito para o pensamento político sendo que a sua obra “O Príncipe” é certamente o livro mais conhecido de Maquiavel e foi escrito em 1513, apesar de publicado postumamente, somente em 1532. Ao longo de 26 capítulos, ele relata os tipos de principados existentes até então, detalhando suas características. E a partir daí, defende a necessidade do príncipe de basear suas forças em exércitos próprios, fazendo um estudo sobre os governos e a fraquezas do Estado. Alerta o povo sobre os perigos da tirania. Escreveu para os príncipes para chegar ao povo.

Por esta razão de separar o Estado da Igreja, tirando a política dos valores religiosos, em que o Teocentrismo vinha em primeiro lugar, a política propriamente dita seguia em segunda ordem e, por último, o indivíduo, a política de Maquiavel torna-se o valor mais importante, juntamente com a valorização do indivíduo, deixando de lado questões e os valores espirituais.

O que o tornou odiado foi o fato de ter sido o primeiro a propor uma ética para a política, totalmente antagônica à ética religiosa, ou seja, a finalidade da política seria a manutenção do Estado a qualquer custo. Mais de 30 anos depois de sua morte, a Igreja, em 1559, indexou O Príncipe, colocando-o na lista das obras proibidas. E é a partir daí que o seu próprio nome mudou de sentido, surgindo o adjetivo maquiavélico, conhecido até nossos dias e 2 em qualquer lugar do mundo, como aquele que tem um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro.

Existindo a expressão inglesa Old Nick, que vem a ser, literalmente, uma abreviação de Velho Nicolau, pois desde a época da Rainha Elizabeth, a literatura passou a designar Maquiavel como o próprio Velho Diabo ou Old Nick. Em função desse posicionamento separando o pensamento governante da Igreja que dominava o Estado, causou revolta à Igreja, que se sentiu horrorizada com a sua influência sobre os governantes.

Foi acusado de ser contra a Igreja, de ser ateísta e, inclusive, que os seus métodos de orientação também contribuiram para o Massacre da Noite de São Bartolomeu (um dos maiores massacres da história, pois vitimou cerca de 100 mil protestantes em decorrência das divergências entre a nobreza o clero e a burguesia na França no Sec. XVI).

Atualmente, estudiosos tem buscado analisar O Príncipe associado a outras obras tais como: Os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio e também A Arte da Guerra (escrito em 1520 é um dos livros menos lidos de Maquiavel), pois não se pode analisar esta obra isoladamente, fora do contexto na qual foi produzida, para não se perder no que deveria ser a verdadeira essência de Maquiavel. Somente contextualizando a sua obra pode-se chegar a alma de Nicolau e entender que ele apenas vivenciou o seu relato, descrevendo metodicamente as práticas que viu de uma maneira muito audaciosa para a época. Ele tinha o direito de ser comportar assim, pois tinha uma mente privilegiada, daqueles que muito se preparam e preparados tem a sêde de ensinar a partir de uma vivência prática e objetiva de uma vida diplomática, totalmente voltada para a questão do poder: como conquistar, aumentar e, principalmente, as estratégias para manter o poder político. O período de vida em Florença foi marcado pela instabilidade política, pela guerra, pelas intrigas e pelo desenvolvimento cultural, e esse contexto é marcante em sua obra.

Uma observação importante com relação ao livro A ARTE DA GUERRA, é o fato que tanto Maquiavel em 1.520, quanto SUN TZU, mil anos antes, escreveram livros batizados pelo mesmo nome. É o manual militar de 13 preceitos do general chinês Sun Tzu (ou Sunzi), que nasceu em 540 A.C. O seu manual inicia assim: “A guerra é um importante assunto de Estado, território da morte e da vida, caminho da sobrevivência e da extinção, não pode deixar de ser investigada”. Já a ARTE DA GUERRA do gênio Italiano conta as experiências bélicas e o excessos cometidos por soldados e comandantes durante os conflitos. Hoje o obra de Sunzi, virou manual prático para se ter sucesso nos negócios, enquanto a obra de Maquiavel está relegada a segundo plano, pois “O Príncipe” é a sua obra mundialmente conhecida.

Maquiavel na Atualidade

Transportando a conduta de Maquiavel, com seu tipo peculiar de inteligência, para os dias atuais, entenderemos que sua conduta e pensamentos modernistas, tiveram início com a destituição do cargo político diplomático que exercia, pois após esse episódio ele foi exilado, proibido de adentrar em órgãos públicos, interrogado várias vezes, foi preso e torturado, nada se provando contra ele, foi libertado. Foi a partir dessa experiência, que começou a refletir sobre a tirania e como resistir a ela. Dessa análise de sua vida e obra, chegamos às seguintes conclusões que são verdadeiras lições:

a) A Maquiavel que podemos tributar a paternidade da teoria política moderna, se considerar o princípio que estabeleceu a separação da política e da moral, pois independente do julgamento que fizermos dos acertos e desacertos dos seus conselhos, ele estabeleceu que a política pode e deve ser pautada em uma base científica e deve obedecer leis próprias, levando em consideração somente sua eficiência no seu objetivo maior, ou seja, a conquista do poder e a sua manutenção;

b) Maquiavel, em seu tratado O Príncipe, não leva em consideração qual o ideal dos regimes políticos, e sim as regras práticas do seu funcionamento. A sua grande contribuição para a atualidade foi extirpar, separar, emancipar a política da religião e da moral. E foi justamente com esse jeito moderno de pensar que causou a condenação posterior de sua história, pois a sua decantada falta de escrúpulos está longe de ser o resultado do seu “amoralismo” político, mas é o produto necessário da falta de um programa político coerente e, acima de tudo, de uma base social estável, para colocar em prática o programa histórico que propõe;

c) Foi Maquiavel quem empregou pela primeira vez o termo ESTADO no pensamento político;

d) Foi ele quem introduziu a reflexão sobre a liberdade e a relação do governo com a liberdade do povo. Propunha uma república com ampla participação dos cidadãos no governo;

e) Acreditando no poder da democracia, considerava a principal arma da democracia o seu povo.

Por fim, concluímos que um verdadeiro estadista, deverá sempre se pautar nos ensinamentos de Maquiavel, seja para tirar ensinamentos benéficos ou maléficos, pois é sabido que todas as coisas que acontecem na política, em qualquer das esferas e em qualquer dos mundos, tem relação direta com os ensinamentos desse renascentista, que melhor que ninguém traduziu a essência desse mundo. Não é absurdo dizer que os ensinamentos de Maquiavel, podem se traduzir em uma espécie de Código de Conduta de manutenção do poder para os políticos, seus ensinamentos são estudados em profundidade no meio acadêmico e por muito políticos. A sua análise nua e crua do mundo como é, enxergando a política como arte, foi que o deixou tão moderno, pois analisa de modo claro, objetivo e sarcástico, as evidências comportamentais dos políticos que buscam o poder.

(Recebido por email.)

0 comentário em “O pensador que desmistificou o Estado e seus governantes”

  1. Prezada Shirlene,
    Boa tarde.

    Analisando um processo no TJDFT, observei um parecer de sua autoria em ação revisional de financiamento. Do exposto, consulto a possibilidade de contato para os referidos fins.

    Cordialmente,

    Responder

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