Estamos longe de ter enterrado Hitler

“É um milagre do nosso tempo que vocês me tenham encontrado entre tantos milhões de pessoas. E é o destino da Alemanha eu ter encontrado vocês.”(HITLER, 1936)

Mesmo 65 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, Hitler e o nacional-socialismo continuam sendo assuntos que causam extrema polêmica ao redor do mundo. As mesmas indagações atravessam diversas gerações: Como Hitler foi possível? Como que Hitler e o nacional-socialismo, que eram responsáveis por crimes, guerras e genocídios, conseguiram, por tanto tempo, ter grande aceitação na Alemanha? Por que muitos alemães estavam dispostos a embasar suas ações na ideologia do “Fuhrer” (líder) para assim contribuir ativamente com o nazismo?

Essas são as questões que a primeira exposição sobre Adolf Hitler realizada na Alemanha após sua morte tenta esclarecer. A polêmica mostra chamada “Hitler und die Deutschen: Volksgemeinschaft und Verbrechen” (Hitler e os alemães: Nação e Crime), realizada de outubro de 2010 ao dia 27 de fevereiro de 2011 no Museu Histórico de Berlim, já contou com mais de 170 mil visitantes de todo mundo desde sua abertura. O que chama a atenção é o enfoque dado à própria sociedade alemã e às possíveis razões que a levaram aceitar e apoiar um regime político atualmente considerado, pela maioria, desumano e inaceitável.

Adolf Hitler, de origem humilde e pouco conhecida, era uma figura aparentemente sem importância e que não parecia estar predestinado a seguir uma carreira política significativa. Entretanto, ao se revelar um orador carismático e talentoso, atraiu milhares de seguidores fiéis e se transformou no homem mais poderoso da Europa. Acredita-se que seu poder não pode ser explicado apenas com base em suas aptidões pessoais, mas sim pelas condições político-sociais e pela mentalidade alemã de sua época. Hitler mobilizou os medos e esperanças da sociedade e, com isso, a converteu para seu propósito político-partidário. Seu domínio se baseava tanto no entusiasmo e na aprovação popular quanto na opressão e na extrema violência física.

A exibição busca, assim, mostrar a relação entre o poder pessoal de Hitler e as esperanças e interesses de vários setores da sociedade alemã do período de ascensão nazista. Primeiramente, Hitler instaurou sua ditadura com base na larga aceitação popular quanto a sua posição de “Fuhrer” (líder). Com o tempo, os alemães se envolveram cada vez mais nas políticas lideradas pelo “Führerstaat” (Estado ditatorial), que pregavam garantia de trabalho, progresso, prosperidade e reprodução das antigas dimensões nacionais. A retórica da política nacional-socialista se estruturava na idéia de “Volksgemeinschaft”, a mítica “comunidade do povo”. A prática social de tal política pregava a integração dos “Volksgenossen” (camaradas do povo), ou os reais membros da nação, e a exclusão dos “Gemeischaftsfremden”, aqueles que eram considerados “estrangeiros”, estranhos à sociedade. Segundo os organizadores da mostra, a política nazista levou ao desfalecimento das estruturas governamentais e dos valores morais da Alemanha. Ela desembocou basicamente em destruição e aniquilação.

As controvérsias geradas pela exposição se devem principalmente ao temor que insiste em amedrontar os alemães de que um movimento neonazista se intensifique. Como é proibida por lei a exibição de símbolos nazistas na Alemanha, a não ser que seja feita em contexto científico, fica evidente, na elaboração da exposição, o esforço dos curadores em evitar que o Museu se torne uma rota de adoração desses extremistas políticos. Objetos de uso pessoal de Hitler, por exemplo, não fazem parte da mostra, assim como os discursos proferidos por Hitler não podem ser ouvidos, nem mesmo uma simples amostra de sua simbólica voz.   Hans-Ulrich Thamer, um dos curadores da exposição, defende que a intenção da amostra é essencialmente educativa, já que até hoje há muitas lacunas a serem preenchidas sobre a figura do “Führer” que marcou para sempre a história alemã.

Ao sair do Museu, segue os visitantes uma sensação de incerteza intrínseca a qualquer contexto político e social de uma nação. É a primeira vez que a ascensão nazista é exposta como se a própria população, devido a sua maleabilidade e vulnerabilidade, fosse a base explicativa para que ela ocorresse. Ao se esclarecerem as perguntas impostas no início da exposição, muitas outras surgem na mente dos visitantes. A mais perturbadora delas, a que permeia toda ação política alemã, pode causar ainda mais incerteza ao espectador quando a mostra está prestes a terminar. Pergunta-se: Será que o nazismo pregado por Hitler foi, ao término da Segunda Guerra Mundial, efetivamente com ele enterrado? “Estamos longe de ter enterrado Hitler”, diz o vídeo final apresentado na saída do Museu Histórico de Berlim.

Um texto de Ariadne Santiago

(Original aqui.)

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