A chance de uma oposição de fato

O Globo

O candidato oposicionista José Serra saiu derrotado no confronto com a petista Dilma Rousseff, mas com 44 milhões de votos no patrimônio. Além disso, estados de peso na Federação, como São Paulo e Minas Gerais, continuaram no lado oposto ao do Planalto.

No Congresso, a bancada oficial ganhou muito espaço. Na ponta do lápis, tem condições de reunir quórum qualificado para aprovar emendas constitucionais. Mas, na vida real, por ser a base parlamentar do governo uma salada ideológica, mantida no mesmo prato pela força agregadora do clientelismo e da fisiologia, o poder dela é relativo, e depende de cada tema em votação.

Se o cenário não é animador para a oposição — PSDB, DEM e PPS —, também não justifica o estado de certa catalepsia em que parlamentares dos três partidos assumiram em fevereiro.

Para completar o baixo astral, a crise entre lideranças no DEM se agravou com o projeto do prefeito Gilberto Kassab de abrir espaço em São Paulo por meio da criação de um partido (PSD), uma alternativa para demistas desgostosos.

Diante deste quadro, o discurso de estreia no Senado de Aécio Neves (PSDB-MG), quarta-feira, funciona como um toque de reunir para uma oposição sem norte, ainda aturdida com a terceira derrota consecutiva em pleito presidencial.

No estilo mineiro, sem confundir “agressividade com firmeza”, Aécio confirmou a expectativa de ser o líder da oposição no governo Dilma Rousseff, ao demonstrar precisão nas críticas ao grupo que se encontra no poder desde janeiro de 2003.

“Ao contrário do que alguns nos querem fazer crer, o país não nasceu ontem”, disse o senador mineiro, sem esquecer de, numa projeção histórica, colocar no mesmo ciclo as gestões de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Sem medo de defender as privatizações — grave falha tucana em 2006 e 2010 —, o senador mineiro alvejou o aparelhamento da máquina pública, a hipertrofia no Estado — a ponto de o governo intervir numa empresa privada, a Vale —, o “desarranjo fiscal” e a não realização de reformas constitucionais. Não citou, mas duas delas são a previdenciária e a trabalhista. Referiu-se, ainda, aos problemas na infraestrutura do país, por falta de investimentos públicos, decorrência de uma política de gastos desequilibrada, e levantou a atraente bandeira da defesa de uma real Federação, com o fim da concentração tributária na União.

Aécio Neves ouviu alguns apartes irônicos da bancada da situação — é do jogo —, mas conseguiu instalar um marco oposicionista neste início de governo. O discurso serve de agenda para a oposição, mas também como parâmetro ao governo.

Ao dizer também não confundir “adversário com inimigo”, o ex-governador de Minas responde afirmativamente ao aceno de Dilma, logo depois de ganhar as eleições, de que estenderia a mão a todos.

Um dos piores cenários políticos para o governo Dilma Rousseff seria não contar com uma oposição verdadeira, consciente, e disposta a conversar.

Para a presidente, conhecedora do preço que precisa pagar a certos aliados em troca de apoio parlamentar, é positivo que haja espaço de negociação ampla no Congresso, para encaminhar questões delicadas que a conjuntura possa impor à agenda do país.

(Original aqui.)

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