Do esquecimento – ou como coisas sérias se tornam “engraçadas”

Em um mundo tão “rápido”, no qual a notícia de hoje de manhã já está “velha” hoje mesmo, à noite, muitas vezes as pessoas, por “rapidez” ou desconhecimento, deixam passar informações que são fundamentais para suas vidas – seja no aspecto intelectual, no aspecto material ou no aspecto humano. Infelizmente.

Acredito que todos conheçam o Facebook. E todos aqueles que lá estão devem ter percebido que, de uns tempos pra cá, o Facebook (infelizmente) se tornou uma “filial” do site 9gag.com: são memes pra lá e pra cá, imagens que se transformam em piadas, cenas de filmes com frases modificadas, e por aí vai.

Que fique claro: eu gosto do 9gag.com. Não gosto muito do Facebook ter se transformado em “filial”, mas faz parte e por isso me acostumei a viver com o ônus para poder ter o bônus (ainda que me pareça que, ultimamente, o número de “piadinhas” no Facebook venha diminuindo).

Fato é que uma dessas “piadinhas” me chamou a atenção na semana passada, e não por ter sido engraçada, mas sim pelo extremo mau gosto. Para poder falar sobre ela, disponibilizo a mesma logo abaixo, com tamanho um pouco reduzido:

Meme sobre Hitler
Meme sobre Hitler

Talvez quem montou a “brincadeira” possa ser uma pessoa até bem-intencionada, que buscou “brincar” com Hitler. E independentemente de gosto, em princípio todos têm o direito de expor suas opiniões, vedado o anonimato.

Porém, o convívio social não se concretiza apenas por meio do ato de seguir a lei – em seu sentido bem positivista, tal convívio não se fundamenta na ideia de “se a lei não proíbe, então permite”. Existem certos limites – que chamo de “ético-morais” – que, gostemos ou não, concordemos ou não, precisam ser respeitados. E fazer piada com algo tão sensível quanto a ideia que está na imagem acima demonstra, no mínimo, falta de conhecimento sobre inúmeros aspectos históricos que simbolizam aquilo que o ser humano pode fazer de pior – sujeitar o outro, humilhar o outro, desumanizar o outro.

Tive a felicidade de poder visitar, de 2008 para 2009, campos de concentração e campos de extermínio nazistas, tanto na Alemanha quanto na Polônia. Foi uma viagem que mudou minha vida, meu modo de pensar e meu modo de ser em relação ao próximo. Apenas indo lá e vendo aquilo que se guardou até hoje é possível ter um mínimo de esclarecimento a respeito da realidade vivida pelo mundo na 1ª metade do século XX, e garanto a vocês, leitores, que tal realidade não tem um pingo de graça, não tem um pingo de “leveza” para ser tratada na forma de meme, como na imagem acima.

Àqueles que pensem algo como “ah, é só uma imagem, só mais uma piadinha”, peço para que visitem este link e leiam a série de 12 postagens que fiz sobre Auschwitz-Birkenau, dentre outras sobre o tema “nazismo”. Ressalto que não há muito para ser lido – as postagens contêm muito mais imagens que textos. Vejam as imagens, vejam as explicações e depois reflitam sobre a “piadinha” da imagem acima.

4 comentários em “Do esquecimento – ou como coisas sérias se tornam “engraçadas””

  1. A falta de convivência com o diferente talvez seja o motivo para as pessoas tomarem atitudes desse nível, vide caso Morre Lula. Numa época que os jovens são utilitaristas e imediatistas não veem no outro ele mesmo. Não tem empatia, só enxergam seu próprio umbigo. As Não-experiências, por medo ou por egocentrismo tem tornado, essa geração arroba, uma geração covarde e sem limites. O não convivio com o outro, talvez não o mal da internet em si, mas sim um mal da sociedade contemporânea, tem sido ou é o responsável pela falta de empatia, a qual tem papel fundamental na formação de conceitos morais, pois parte-se do pressuposto de colocar-se no lugar do outro e pensar: se fosse eu naquela situação, gostaria que fizessem àquilo comigo? daí nascem os conceitos morais. Mas numa sociedade cujos valores estão no ter, e não no ser, fica difícil de abrir um diálogo sem passar por ”mané”, ”otário” e o pior de todos: Nerd. Poucos pensam. A maioria quando convidada a refletir leva isso na brincadeira, quando vilipendiada em seu direito de reclamar, de se manifestar, de refletir e se revoltar, acham melhor ligar o botão do ”eu quero tchu, eu quero tcha” e deixar tudo no automático, sem despertar para os perigos que rondam a falta de reflexão. Como dizia Ortega Y Gasset: Vivemos num tempo de chantagem universal, que toma duas formas complementares de escárnio:
    Há a chantagem da violência e a chantagem do entretenimento.
    Uma e outra servem sempre para a mesma coisa:
    Manter o homem simples longe do centro dos acontecimentos.

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  2. Tenho constatado diversas vezes essa falta de noção. De pessoas falando que ladrão de pão tem de prender mesmo, a outros falando que infidelidade tem de ser tratada com mutilação genital. Ainda crianças sofrem dessas práticas nos rincões da África, não tem graça. Se acha engraçado, quando vc for assaltado, ou alguém que você gosta sofrer um acidente, ria disso. Quero ver…

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    • Exatamente. As pessoas sempre olham para o “outro”, mas nunca para si próprias. Gosto muito da seguinte ideia: e se o estado, “sem querer”, achar que eu sou o bandido, o ladrão de pão? Se o estado me confundir e me der um tiro na cabeça (vide caso Jean Charles em Londres)? Aí o estado é malvado. Mas enquanto o estado dá tiro na cabeça “do outro”, não há problema algum. É a falta de empatia à qual o Edvaldo se referiu no comentário dele.

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