Esclarecimentos sobre o sistema eleitoral majoritário


O sujeito olha o resultado das eleições nos jornais, resmunga e diz: “Ora, perdi meu voto.” Isto acontece? Veja a seguir alguns esclarecimentos sobre o sistema eleitoral majoritário.

Nem sempre. É claro que se o sujeito votou em um candidato que perdeu a eleição a impressão que se tem é que o voto foi perdido, foi jogado fora. Mas mais importante que isso é compreender o porquê do voto nem sempre ir para quem queremos. Este desvirtuamento do destino do voto ocorre por dois motivos: 1) O sistema eleitoral brasileiro, especialmente o sistema proporcional; 2) O desconhecimento, por parte do brasileiro em geral, de como funciona o sistema eleitoral brasileiro.

O que é um sistema eleitoral? Por sistema eleitoral pode-se entender o método juridicamente válido para a eleição dos representantes do povo. Em outras palavras, um sistema eleitoral é o mecanismo que “traduz” os votos dados pelo cidadão em mandatos; é a forma pela qual os votos se transformam em mandatos eletivos.



Existem no mundo, de maneira geral, dois sistemas eleitorais: o sistema eleitoral majoritário e o sistema eleitoral proporcional. Fala-se na mídia também em sistema “distrital”, sendo que o correto é dizer “sistema majoritário por distritos”, e ainda em sistema distrital misto, que corresponde à junção dos sistemas majoritário e proporcional. O Brasil adota os sistemas majoritário e proporcional, sendo que os cargos são preenchidos conforme abaixo:

  • Sistema majoritário: por este sistema são eleitos o presidente e vice-presidente, os governadores e vice-governadores, os prefeitos e vice-prefeitos e os senadores e seus suplentes conforme a contagem do número de votos válidos.
  • Sistema proporcional: por este sistema são eleitos os deputados federais, os deputados estaduais, os deputados distritais e os vereadores conforme a contagem do número de votos válidos.

No Brasil o sistema majoritário se subdivide em dois tipos:

  • Sistema majoritário simples: é aquele sistema no qual está eleito o candidato que obtiver mais votos do total de votos válidos, ou seja, aquele que obtiver a maior votação independentemente da porcentagem que isto represente sobre o total de votos válidos;
  • Sistema majoritário absoluto (ou de dois turnos): é aquele sistema no qual está eleito o candidato que obtiver a maioria dos votos válidos, ou seja, aquele que obrigatoriamente obtiver 50% + 1 dos votos válidos.


Acima foi destacada a expressão votos válidos. O que é isso? Por votos válidos entendem-se os votos dados apenas aos candidatos e/ou aos partidos políticos. Assim, votos válidos correspondem ao total de votos de uma eleição menos os votos em branco e menos os votos nulos. É importante ficar claro que o resultado de uma eleição sempre se fundamenta apenas nos votos válidos, independentemente do cargo em disputa, conforme o caput os arts. 2º, 3º e 5º da Lei nº 9.504/97 – a Lei das Eleições (grifos nossos).

Art. 2º Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.

Art. 3º Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.

Art. 5º Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias.

A título de exemplo: em uma eleição existe o número total de 100 votos. Destes, 20 votos são nulos e 10 votos são em branco, sendo que os demais votos foram dados aos candidatos e/ou seus partidos. Desta forma, o resultado da eleição seria dado com base em 70 votos: 100 votos menos 20 votos nulos menos 10 votos em branco = 70 votos válidos. É em cima deste número de 70 votos válidos que os cálculos eleitorais serão realizados e é desses votos que sairá o vencedor da eleição.

Voltemos ao sistema majoritário e às distinções entre o majoritário simples e o majoritário absoluto. Suponha-se uma eleição na qual existam quatro candidatos e que o resultado final desta eleição seja o seguinte:



  • Candidato A: 22 votos;
  • Candidato B: 35 votos;
  • Candidato C: 25 votos;
  • Candidato D: 18 votos;
  • Total de votos válidos: 100 votos.

Nesta situação, pergunta-se: quem ganhou a eleição? A resposta correta é depende: depende de qual sistema majoritário está sendo aplicado a esta eleição. Se o sistema for o majoritário simples o candidato B ganhou a eleição porque ele tem o maior número de votos dentre os votos válidos. Por sua vez, se for o sistema majoritário absoluto ninguém ganhou a eleição porque a definição deste sistema é clara: 50% + 1 dos votos válidos. O candidato B, que está em primeiro, tem 35% dos votos válidos. Neste caso, para que a regra jurídica se concretize, é necessária a realização do segundo turno, no qual os dois candidatos mais votados concorrerão à vaga. É o que determina o § 1º do art. 2º da Lei nº 9.504/97:

Art. 2º Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.

1º Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição no último domingo de outubro, concorrendo os dois candidatos mais votados, e considerando-se eleito o que obtiver a maioria dos votos válidos.

Conforme o art. 2º acima, para as eleições dos cargos de presidente e governadores (e seus respectivos vices) utiliza-se a regra do sistema majoritário absoluto (50% + 1 dos votos válidos). E para os prefeitos?



Conforme o art. 3º da Lei nº 9.504/97, “Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.” Veja que a redação da lei não fala em “maioria absoluta”, mas simplesmente em “maioria”; deduz-se, portanto, que as eleições para prefeito seguem o sistema majoritário simples, não o absoluto. Assim, na eleição para prefeito estará eleito o candidato que obtiver o maior número de votos dentre os válidos.

Existe, porém, uma peculiaridade: conforme § 2º do art. 3º da Lei nº 9.504/97, municípios que têm mais de duzentos mil eleitores seguem as mesmas regras para presidente e governadores. Ou seja, a eleição de prefeitos de municípios com mais de duzentos mil eleitores segue o sistema majoritário absoluto, não o sistema majoritário simples.

Cuidado! A lei é clara: ela fala em eleitores, não em habitantes. Muitos confundem estes dois termos. O número de habitantes sempre será maior que o número de eleitores.

Por fim, a eleição para senadores: estes são eleitos conforme o sistema majoritário simples. O art. 46 da Constituição diz: “O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.” Percebe-se a ausência do adjetivo qualificador do princípio majoritário (se simples ou absoluto), deduzindo-se, portanto, que o sistema a ser utilizado é o majoritário simples – pois se fosse o absoluto o constituinte originário teria sido explícito como o foi no § 2º do art. 77 da Constituição (grifo nosso): “Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.”

Recapitulando:



  • Prefeitos de municípios com até 200 mil eleitores e senadores são eleitos pelo sistema majoritário simples (maior número de votos válidos, independentemente da porcentagem);
  • Prefeitos de municípios com mais de 200 mil eleitores, governadores e presidente da República são eleitos pelo sistema majoritário absoluto (maioria dos votos válidos, ou seja, 50% + 1 do total de votos válidos).
  • Deputados federais, estaduais, distritais e vereadores são eleitos pelo sistema proporcional, que está explicado aqui.

Trecho do livro Aprendendo a votar: noções básicas sobre o funcionamento das eleições no Brasil. O livro está disponível neste link.

17 comentários em “Esclarecimentos sobre o sistema eleitoral majoritário”

  1. o Sistema majoritário para escolha de representantes do poder legislativo tem o seus prós e contra, como a falta de representatividade das minorias e a tendência ao bipartidarismo ou no máximo, tripartidarismo. mas também, uma maior representatividade, pois o eleitor saberá em quem votou. O voto proporcional que vc falará no próximo post da forma que está, já não dar mais. ele precisa ser reformado. Sou contra o voto distrital,mas também sou contra a essa atual forma de escolha de parlamentares. O ideal seria o voto distrital misto do tipo alemão.

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    • Olá, boa tarde. Só não entendi sua primeira frase, pois não há voto majoritário para representantes populares do poder legislativo no Brasil atual. Também não acredito que o majoritário garanta representatividade. A meu ver, ele só garante o que você falou – a certeza do eleitor saber em quem votou -, mas não representatividade política propriamente dita, conforme coloquei no texto. De resto, concordo plenamente com você, inclusive a respeito da adoção do voto distrital (a respeito do qual falarei também). Obrigado pela visita!

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  2. Não sabia que voce tinha talento prá novelista! Na hora que tava ficando bom, corta! Cenas dos próximos capítulos…! (kkkkkkkk). Tô ansioso pela complementação. Vê se não demora! Abs.

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    • me ajudou muito este texto! estava fazendo a prova Vi da OAB, questão 22. Procurei na CF, no livro do Pedro Lenza, tudo tão vasto! mas que bom que já tinha lido este artigo! e tive que reler para aprender! muito bom professor! você é o cara!

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      • Caro Renato, boa tarde! Que bom que o texto te ajudou em algo tão importante quanto a prova da OAB. Se precisar de algo mais que eu puder ajudar, conte comigo. Um abraço e volte sempre!

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  3. Prof. gostaria de agradecer o conhecimento que tive a oportunidade de obter em seu artigos e seus videos do youtube, onde vem ajudando muito na minha pesquisa sobre o tema.
    Se possível gostaria de indicações de obras sobre o tema “sistema eleitoral brasileiro”.
    Obg. Professor.

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  4. Obrigada. Muito esclarecedor, gostei bem detalhado e recheado de exemplo, na hora de estudar para concursos, isso é bem interessante. Obrigada.

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  5. gostaria de saber se o sistema majoritário aplicado inicialmente nas eleições no Brasil é o sistema majoritário simples

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