O parlamentarismo no Brasil


Notícia da Folha de S.Paulo fala sobre o ressurgimento do debate sobre o parlamentarismo no Brasil. Será que “agora vai”?

(Antes de começar, vale dizer que tenho no meu Canal no YouTube uma série de vídeos sobre o parlamentarismo, o presidencialismo e o semipresidencialismo. Se você quiser assistir basta clicar aqui. Se preferir, dê uma olhada no meu Curso básico de Ciência Política, livro no qual também falo sobre o assunto.)

A notícia fala sobre a reinstalação de uma nova comissão especial sobre sistema de governo [sic] para debater sobre o parlamentarismo no Brasil. A comissão deve se reunir a partir de agosto deste ano (2017). E a proposta é de implantar a nova forma de governo a partir de 2022, respeitando-se a segurança jurídica decorrente das eleições de 2018.

E como não podia deixar de ser, participa das negociações o presidente do TSE, Ministro Gilmar Mendes. (O que um membro do poder Judiciário faz junto a uma proposta legislativa? Segundo o próprio, ele quer “contribuir para a discussão” sobre o parlamentarismo no Brasil.)



Ainda segundo a notícia, a proposta sobre o parlamentarismo no Brasil implica em extinguir cerca de 20 mil cargos de confiança. Isto porque não haveria viabilidade de exonerar todo mundo com uma eventual mudança de governo. Imagine-se: um primeiro ministro entra hoje e nomeia todo mundo. Passam-se seis meses e ele cai. Sai todo mundo. Entra outro, que nomeia mais 20 mil pessoas… E assim vai. Impossível.

Por fim, vale destacar que a notícia chama a atenção para o fato de que a proposta está na mesa há muito tempo. Desde 1995 há uma proposta de PEC que já foi aprovada nas comissões da Câmara e poderia ser votada já agora. Mas ainda não foi.

A matéria termina dizendo que o parlamentarismo no Brasil foi descartado pela população no plebiscito de 1993.

***

E então? O parlamentarismo no Brasil é viável? Vale a pena alterar a forma de governo do presidencialismo atual para o parlamentarismo?

Dou aula sobre o tema desde 2004. E desde antes dessa data, quando ainda fazia minha graduação em Ciência Política na UnB, sou um defensor do parlamentarismo. É uma forma de governo que garante muito mais governabilidade, ou seja, é muito mais estável. Realmente permite a troca de um governo incompetente a qualquer momento, sem maiores traumas. E sem termos de ficar sofrendo por quatro anos seguidos até a próxima eleição. Em suma: como forma de governo — e sob uma perspectiva teórica —, o parlamentarismo é muito melhor que o presidencialismo. (E até o semipresidencialismo é melhor, desde que seja em coabitação.)

É viável no momento atual? Não, não é. Por que?



Porque o parlamentarismo só se sustenta com poucos partidos políticos. Deem uma pesquisada e verão que todos os parlamentarismos bem sucedidos têm poucos partidos políticos (2, 3, 4, forçando até 5, não mais). E quando digo “poucos partidos políticos” não estou falando em termos nominais, mas sim em termos reais. Ou seja, o país pode ter 489 mil partidos políticos oficialmente estabelecidos, mas se apenas 2-4 deles forem efetivamente fortes politicamente o parlamentarismo funciona.

É assim porque no parlamentarismo quem dá sustentação ao governo é o Parlamento. Ok, isso é óbvio, você vai me dizer. No caso do presidencialismo brasileiro também: o presidente só consegue efetivamente fazer algo se tiver apoio no Congresso Nacional. Mas no caso do parlamentarismo é diferente: o primeiro ministro só o é porque tem apoio do Parlamento. Se/Quando perde o apoio, deixa de ser primeiro ministro. Escolhe-se outro no lugar e a vida continua.

(E não confunda o voto de desconfiança do parlamentarismo com o impeachment do presidencialismo! São dois conceitos bem diferentes.)



Esse arranjo só funciona, entretanto, se houver poucos partidos. Isto porque o governo precisa ter apoio majoritário para governar. Se existem 2 partidos fica bem fácil: o que tiver maioria elege o primeiro ministro e pronto. Com mais de 2 partidos começa a complicar, pois são necessárias coalizões governamentais para apoiar o primeiro ministro. E estas coalizões nem sempre duram.

Claro que em países de tradição parlamentarista, em que este arranjo já é bem estabelecido, estas coalizões são duradouras. Veja-se o caso da Alemanha: Angela Merkel é chanceler (= primeiro ministro) do país desde 2005. E governou este período todo com base em coalizões partidárias.

Agora olhemos para nosso próprio umbigo. O Brasil não tem partidos políticos fortes. Tem agremiações políticas que vão de um lado a outro conforme o caso. O partido do atual presidente da República (ao menos no momento em que digito essas linhas…) apoiou TODOS os governos desde a redemocratização brasileira em… 1985. São 32 anos indo “de lá pra cá”, apoiando governos “de direita”, “de esquerda” e/ou “de centro”. E isto não é exclusividade deste partido, já que outros fizeram (e fazem) a mesma coisa. Como um primeiro ministro vai ter apoio político desse jeito?



Portanto, ao meu ver o parlamentarismo só vai funcionar no Brasil no dia em que tivermos 2, 3, 4 partidos políticos realmente fortes e atuantes. Enquanto houver isso que temos hoje, de pulverização partidária — 35 partidos já estabelecidos e mais 61 partidos em formação (no momento de redação deste texto) — fica impossível termos a estabilidade partidária necessária ao parlamentarismo.

Isso sem falar no fato de que o parlamentarismo meio que exige um sistema eleitoral de lista fechada, ou pelo menos de voto distrital misto para funcionar bem. É (praticamente) impossível um parlamentarismo ser bem sucedido com um sistema eleitoral de lista aberta, como o é no caso brasileiro atualmente.

(Para saber as diferenças entre a lista aberta e a lista fechada dê uma olhadinha neste link.)

Por tudo isso, repito: o parlamentarismo no Brasil hoje não funcionaria a contento. Provavelmente traria muito mais prejuízos que benefícios. Sua implantação no país só é viável se antes forem feitas alterações nos sistemas partidário e eleitoral, o que parece não ser muito o objetivo real dos nossos atuais parlamentares.


E você, o que acha disso tudo? É contra ou a favor da implantação do parlamentarismo no Brasil? Deixe abaixo seus comentários ou entre em contato diretamente para debatermos o tema.

Um abraço a todos e até a próxima!

Prof. Matheus Passos

2 comentários em “O parlamentarismo no Brasil”

  1. Explanação excelente. Desacreditada do sistema vigente, creio que mesmo com a mudança de presidencialismo para parlamentarismo, os vícios políticos existentes no atual sistema iriam perdurar.

    Responder
    • Exato. Por isso a necessária mudança do sistema partidário antes de se inventarem mudanças na forma de governo. Obrigado por participar e volte sempre!

      Responder

Deixe um comentário