Aspectos gerais da democracia contemporânea


Olá pessoal! Hoje venho aqui para falar sobre os aspectos gerais da democracia contemporânea.

Já falei bastante sobre o tema “democracia” aqui no site, mas sempre é bom lembrar quais são os aspectos gerais da democracia contemporânea. Especialmente quando consideramos o ambiente político nebuloso em que vivemos.

Deem uma olhada no texto abaixo e não se esqueçam de deixar seus comentários. Ou se preferir entre em contato diretamente comigo para debatermos o tema.

Um abraço a todos e até a próxima!

Prof. Matheus Passos.


Falar sobre o conceito de democracia é uma tarefa difícil. A dificuldade se apresenta, em primeiro lugar, porque há verdadeira idealização do conceito, especialmente quando se fala da democracia da Grécia antiga como um modelo ideal a ser buscado, o que faz com que na atualidade a identificação de algo como democrático leve ao entendimento quase automático de que este algo é bom – e nem sempre o é. Em segundo lugar, existem inúmeros autores que falam sobre o conceito, definindo-o reiteradamente de maneiras até mesmo contraditórias, o que vem a dificultar muitas vezes o entendimento claro do conceito. E a dificuldade continua na prática: talvez seja possível afirmar que não exista nenhum país no mundo que não se defina como democrático.

Ainda que seja lugar-comum identificar o surgimento da democracia na Grécia antiga, a ideia que aqui se apresenta diz respeito à chamada democracia partidária, ou seja, à democracia vinculada à existência de partidos políticos e sendo destes dependente. Significa dizer, nesta concepção, que só se pode falar em democracia em seu sentido contemporâneo a partir do momento em que surgiram as condições materiais para o exercício do voto por parte do cidadão, por um lado, ao mesmo tempo em que por outro surgiram os partidos políticos, especialmente aqueles considerados como sendo de massas, como instituições responsáveis por concretizar a representação do cidadão junto ao Estado.

Apenas em fins do século XIX e início do século XX é que se pode falar em efetiva democratização da sociedade a partir do momento em que ocorreu a expansão do sufrágio, que se tornou universal. Assim, a extinção de critérios censitários para o voto e o aumento do número de titulares de capacidade eleitoral ativa e passiva fizeram com que o cidadão se transformasse no titular efetivo do poder político de maneira que sua vontade fosse “jurídica e politicamente eficaz” (MIRANDA, 2007, p. 17), vindo assim a interferir diretamente nas ações do Estado. Em suma, criaram-se neste período vínculos político-jurídicos reais entre eleito e eleitor de maneira que o primeiro passou a ser escolhido pelo segundo conforme normas juridicamente estabelecidas que, por sua vez, foram criadas respeitando-se a vontade do segundo.



A expansão dos direitos políticos a largas camadas da sociedade ocorreu concomitantemente com outro fenômeno da esfera político-jurídica, qual seja, o surgimento dos chamados partidos políticos de massa. Antes, vale destacar que um partido político é uma instituição associativa que visa a um fim deliberado, seja tal fim compreendido em sentido positivo – a concretização da vontade do cidadão –, seja em sentido negativo – a busca de honras e de glórias para seus membros, em especial para seus líderes (OPPO, 1998, p. 898-9). Além disso, é interessante notar que todos os partidos, independentemente de sua ideologia, têm um objetivo em comum: o de angariar votos, já que sem votos não adquirem as cadeiras para a posterior atuação parlamentar.

Com o surgimento dos partidos de massa gradativamente passou-se do voto personalizado para o voto partidarizado, ou seja, o cidadão deixou de votar diretamente na pessoa do candidato como fazia no período do governo representativo para votar no partido do candidato no momento em que se estabeleceu a democracia partidária, sendo o partido o representante visível da ideologia política sustentada pelo eleitor.

Pelo exposto fica claro que os partidos políticos, durante o século XX principalmente, transformaram-se nas principais e mais importantes instituições políticas da democracia contemporânea. Compete ao partido político não apenas representar o cidadão no Parlamento mas também, e acima de tudo, ser a instituição responsável por organizar as demandas sociais expressas por meio da opinião pública, de maneira a transformá-las em bandeiras ideológicas que serão posteriormente expostas por meio de um programa político a ser escrutinado pelo cidadão por meio do voto para sua posterior concretização pelas políticas públicas.



Para além dessa definição teórica, é necessário também apresentar explicitamente quais são os critérios para que se considere a existência na prática de uma verdadeira democracia partidária. Falando sobre o tema, o jurista italiano Norberto Bobbio traz uma definição específica do que ele considera como um conjunto de regras de procedimento que define o grau de democraticidade de determinado regime político-jurídico – é o que ele entende como sendo a democracia formal. Tais regras são as seguintes:

  • O poder Legislativo deve ser composto por membros eleitos direta ou indiretamente pelo povo;
  • Junto ao poder Legislativo deve haver outras instituições com dirigentes eleitos, tais como órgãos da administração local ou o chefe de Estado;
  • Todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de censo e de sexo, devem ser eleitores;
  • Todos os eleitores devem ter voto igual;
  • Todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente possível – em outras palavras, é necessário haver liberdade de expressão, tanto do ponto de vista do eleitor quanto do ponto de vista do candidato;
  • Todos os eleitores devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais alternativas – ou seja, devem existir no mínimo dois partidos políticos para que o cidadão tenha liberdade de escolha;
  • Tanto para as eleições dos representantes como para as decisões do poder Legislativo vale o princípio da maioria numérica, podendo ser estabelecidas várias formas de maioria;
  • Nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições;
  • O órgão do Governo deve gozar de confiança do Parlamento ou do chefe do poder Executivo, por sua vez, eleito pelo povo (BOBBIO, 1998, p. 327).

Contudo, a despeito da clareza acerca deste conjunto de regras de procedimento, é importante destacar que a democracia não pode apenas ser apresentada sob o ponto de vista formal. Por outras palavras, não se pode considerar que determinado regime jurídico-político seja ou não democrático apenas pela presença ou ausência de tais regras em seu ordenamento jurídico: outro aspecto relevante a ser considerado na definição contemporânea de democracia diz respeito ao seu entendimento como um princípio estruturante do Estado moderno a partir do momento em que tais regras são aplicadas e são efetivamente concretizadas na vida cotidiana do cidadão.



Nesta perspectiva, se por democracia formal entende-se a presença ou ausência deste conjunto de regras de procedimento no ordenamento jurídico de determinado país, a democracia substancial tem relação direta com o conteúdo das normas jurídicas existentes em determinada Constituição. Este conteúdo está diretamente relacionado aos fins que um sistema político-jurídico democrático objetiva concretizar, nomeadamente a busca pela igualdade – jurídica, social e econômica – entre os cidadãos (STRECK; MORAIS, 2013, p. 535). Nesta perspectiva substancial um regime democrático se inicia com este conjunto de regras de procedimento, mas o mesmo não pode ser considerado como um ponto de chegada: para além do conjunto de regras – ou de como decidir – é necessário também que seja analisado o que está sendo decidido, especialmente levando-se em consideração as relações de poder entre os indivíduos, já que eventualmente tais regras podem estar presentes e mesmo assim o regime jurídico-político poderá não ser realmente democrático na prática cotidiana dos cidadãos.

Aplicando-se o conceito ao caso brasileiro, verifica-se que o texto constitucional contempla todas os itens presentes no conjunto de regras de procedimento elencados por Bobbio. De maneira sintética verifica-se que o caput do art. 14 deixa explícita a primeira regra ao indicar que o voto é direto e secreto para todos os cargos eletivos, sendo complementado, no que diz respeito ao poder Legislativo, pelo art. 45 e pelo art. 46 em âmbito federal, pelo art. 27 em âmbito estadual e pelo art. 29, inciso IV em âmbito municipal. A segunda regra se concretiza pela eleição direta do Presidente da República, conforme indica o art. 77. Já a terceira regra está contemplada no § 1º do art. 14. A quarta regra está também presente no caput do art. 14. A quinta regra é vista nos incisos IV e VI do art. 5º, bem como em seu caput. A sexta regra é encontrada no caput do art. 17 e também no inciso V do art. 1º. A sétima regra insculpe-se nos diversos artigos referentes ao sistema eleitoral, todos eles indicados acima. Infere-se a oitava regra a partir do sistema proporcional, que permite a atuação da minoria dentro do Parlamento federal, dos Parlamentos estaduais e das Câmaras de Vereadores, sendo este fato reforçado pelos incisos IV e V do art. 89 da CF que exigem a participação, no Conselho da República, dos líderes da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Por fim, a nona regra não se aplica ao caso brasileiro por ter o país um sistema presidencialista.

Da mesma forma, quando se considera os conteúdos presentes no art. 3º e seus incisos (objetivos do Estado brasileiro, com ênfase na igualdade social), no caput do art. 5º e em alguns de seus incisos (garantia da igualdade entre as pessoas) e principalmente na parte que vai do art. 6º ao art. 11 (que traz os direitos sociais) – sem desconsiderar outras partes do texto constitucional brasileiro (como o art. 225 que fala sobre o meio ambiente) –, pode-se falar também que a CF tem na busca pela igualdade social um de seus principais fundamentos. Isto permite dizer, portanto, que o texto constitucional brasileiro também se dispõe a concretizar a democracia substancial, em seus moldes anteriormente definidos.



Vale destacar, ainda no que concerne à democracia, a importância do princípio da separação de poderes presente no texto constitucional brasileiro. O art. 2º da CF é explícito ao afirmar que são poderes independentes e harmônicos entre si o poder Legislativo, o poder Executivo e o poder Judiciário. Conforme indicado anteriormente, há uma relação direta entre democracia e separação de poderes, especialmente quando se considera o papel fundamental que este último princípio tem como forma de evitar a concentração de poder.

Em síntese, portanto, é possível afirmar que o Brasil contempla todas as regras de procedimento indicadas por Bobbio como definidoras de um regime democrático. Significa dizer que o país é democrático, podendo-se mesmo concluir o Brasil se encontra no grau máximo de democraticidade que determinado Estado pode atingir. Além disso, a existência formal da separação de poderes vem a reforçar o ambiente democrático do país.

Referências:

BOBBIO, Norberto. Verbete “democracia”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmen C. Varriale et al.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Cacais. 11 ed. Brasília: UnB, 1998.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo VII. Estrutura constitucional da democracia. Coimbra: Coimbra, 2007.

OPPO, Anna. Verbete “partidos políticos”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmen C. Varriale et al.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Cacais. 11 ed. Brasília: UnB, 1998.

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luís Bolzan de. Estado democrático de Direito. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. Edição digital. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

4 comentários em “Aspectos gerais da democracia contemporânea”

  1. O EXERCÍCIO DO PODER NÃO É COMO O “JOGO DO BICHO” (DESCULPE A COMPARAÇÃO), NESTE VALE O QUE ESTÁ ESCRITO, ENQUANTO NAQUELE ISTO NÃO É SEGUIDO, POIS, NÓS, OS SERES HUMANOS, NOS ENCANTAMOS COM O PODER E FAZEMOS DE TUDO PARA MANTÊ-LO. O “CANTO” DO PODER COMO AQUELE DAS SEREIAS DA MITOLOGIA GREGA: NOS ATRAI, PODENDO LEVAR AO DESASTRE SE A CONSCIÊNCIA NÃO MUDA. A PRIMEIRA REGRA A SER ALTERADA É QUE OS DETENTORES DO PODER, DEVIDAMENTE ELEITOS, SEGUNDO O MÉTODO DEMOCRÁTICO, SE LIVREM DE TODO E QUALQUER PODER, SÓ PERMANECENDO O DIREITO À IMUNIDADE IDEOLÓGICA E DE CONSCIÊNCIA. SEGUNDO, DEVERIA EXISTIR UM IDEÁRIO BÁSICO A SER SEGUIDO POR TODOS AQUELES QUE OCUPAM O PODER: FAZER NASCER O CIDADÃO. NO MOMENTO, SOMOS APENAS CONTRIUINTES. POR MAIS BELAS E ARTICULADAS QUE SEJAM AS IDEIAS, QUANDO CAEM NO SEIO DO PODER REAL, SE DETURPAM, TOMANDO OUTRA DIREÇÃO. ASSIM, ESSAS IDEIAS SÓ TERÃO CHANCE DE SER EFETIVADAS E SE ESTRUTURAR O ESTADO DENTRO DESSE IDEÁRIO, SE ESSA BELEZA, ESSES IDEAIS ESTIVEREM DENTRO DE CADA POLÍTICO RESPONSÁVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DA POLIS.
    AS LEIS FÍSICAS DETERMINAM O COMPORTAMENTO DA MATÉRIA-ENERGIA EM TODOS OS NÍVEIS DA SUA MANIFESTAÇÃO, MAS O COMPORTAMENTO HUMANO DEPENDE DA SUA CONSCIÊNCIA. SE ESSA EVOLUIR A TAL PONTO QUE TODOS SE RESPEITEM MUTUAMENTE, ENTÃO A DEMOCRACIA ´PODERÁ SER ATINGIDA, DO CONTRÁRIO SOFREREMOS DE TODOS OS MALES QUE UMA FALSA IMPRESSÃO DE DEMOCRACIA PODE CAUSAR.

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    • Olá meu amigo! Você pode pedir para imprimir (o botão está ao final da postagem) e em seguida pedir para salvar como PDF, ok? Um abraço e obrigado pela sua presença por aqui no meu site!

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