Capitalismo e social democracia


Capitalismo e social democracia

Autor: A. Przeworsky


A primeira decisão a ser tomada pela emergente social-democracia era se ela deveria participar ou não do sistema político. Se por um lado ela desejava participar do sistema para poder ter acesso ao poder através dos métodos burgueses, por outro sua participação legitimava tais métodos. Desta forma, as instituições políticas tinham de ser tratadas ou como um inimigo ou como um instrumento em potencial. Os anarquistas foram os mais veementes em dizer que a social-democracia não deveria utilizar tais instrumentos, pois, caso assim o fizesse, estaria destruindo o próprio movimento pelo socialismo.

O principal medo dos socialistas é que, caso chegassem ao poder através do voto – instituição burguesa –, será que a burguesia aceitaria o resultado ou utilizar-se-ia de meios ilegais para manter o poder?

Diante desta dúvida, os social-democratas definiram que as eleições deveriam ser usadas apenas como um veículo já pronto para a organização, agitação e propaganda. Elas também eram úteis para avaliar o “fervor revolucionário das massas”.

Outra dúvida era a seguinte: os socialistas iriam disputar cargos políticos sozinhos ou fariam alianças com outros partidos? No início, os partidos operários eram totalmente contra qualquer tipo de união, com quem quer que fosse.

Os cidadãos podem não obter seus objetivos imediatos como trabalhadores, pois não podem influir no sistema econômico, mas podem atingi-los como cidadãos, pois votam e influenciam o sistema político. Assim, os partidos socialistas viram-se na necessidade de terem representação, para proteger o movimento da repressão. Além disso, a massa da população poderia obter resultados mesmo sem estarem organizadas, através do sufrágio universal. Era necessário que os trabalhadores votassem como tal, e não como outra classe qualquer.

A participação no sistema político, entretanto, causa o aburguesamento do movimento socialista. Isto porque, com os socialistas participando do sistema atual, que foi criado pela burguesia, está assim legitimando-o, além de o próprio sistema burguês mudar as características fundamentais do movimento socialista.

Os socialistas adotaram a democracia tanto como meio quanto como objetivo, ou seja, era o veículo para o socialismo e a forma política da futura sociedade socialista.

O objetivo principal dos socialistas na política eleitoral era ganhar as eleições e criar a legislação que conduziria a sociedade ao capitalismo. Isto ocorreu porque os dirigentes dos partidos socialistas acreditavam que as classes dominantes poderiam ser “vencidas em seu próprio jogo”.

A lógica socialista era a seguinte: se nas eleições atuais eles não obtiveram o poder, era uma questão de tempo para isto ocorrer. Por quê? Simplesmente porque, com o avanço do capitalismo, haveria um número cada vez maior de proletários, e estes iriam engrossar as fileiras socialistas, clamando por reformas e mudanças estruturais do sistema. Os socialistas supunham que tais proletários iriam votar neles, e finalmente poderiam atingir o poder.

Um aspecto fundamental com os quais os social-democratas tiveram de lidar foi o de que os operários, no sistema capitalista, competem entre si quando não estão organizados como uma classe. Assim, apesar de existir um objetivo geral de classe, os objetivos específicos de cada indivíduo variam, e estas variações enfraquecem o movimento operário. A organização do movimento, então, é necessário para fazer cessar a competição entre os operários, para que possam empreender a competição geral contra os capitalistas. Era necessário, também, fazer com que os objetivos da classe operária fossem diferentes dos objetivos da classe burguesa. Os socialistas, então, afirmaram que os interesses dos burgueses eram contrários aos dos operários.

Um problema fundamental surgiu: o operariado não tinha número suficiente para fazer com que um de seus representantes chegassem ao poder, e a idéia de que os membros das velhas classes médias virariam operários não concretizou-se.

Os partidos operários viram-se, então, na necessidade de buscar apoio em outras classes. Isto não significa dizer que eles perderam sua orientação socialista. Os partidos socialistas apenas oscilam entre a procura de aliados e a ênfase no operariado. Desta forma, o partido trabalhista não é mais apenas dos operários, mas um partido “do povo”, ou seja, de “toda a população que trabalha” e que é explorada.

Mesmo associando-se a outras classes, o partido socialista não consegue obter a maioria dos votos, que teoricamente seriam seus. Se ele for um partido puramente operário, não consegue os votos em prol do socialismo, mas também não o alcançam como um partido de nação inteira.

Isto ocorre porque, se o partido socialista é um partido “das massas” e não apenas “dos operários”, estes últimos irão identificar-se menos com o partido, e não votarão como operários. Além disso, o partido socialista não pode mais lutar apenas pelos interesses do operariado, e sim lutar pelos interesses comuns tanto aos operários quanto às outras classes que ele representa. Este fato acarreta outro: o próprio partido socialista diminui a importância do conceito de classe, pois o partido socialista não identifica-se mais apenas com a classe operária, e sim com todos que puderem dar-lhe votos.

As mudanças propostas pelos social-democratas não poderiam ser atingidas prontamente. Contudo, eles não queriam ficar esperando pelo dia em que tais objetivos poderiam finalmente concretizarem-se. Desta forma, os social-democratas implantaram reformas imediatas, que seriam a base para a revolução social.

Além do objetivo final, que era a revolução social, tais reformas imediatas tinham por objetivo “mostrar trabalho” por parte dos social-democratas, trazendo benefícios imediatos à classe operária. Ainda, tais reformas serviriam como propaganda para atrair as massas.

O principal método usado para que os objetivos sociais fossem atingidos era a nacionalização ou socialização das unidades produtivas. A propriedade privada era o que trazia e causava maiores males ao povo.

Tal nacionalização, contudo, praticamente não obteve resultados, tendo em vista que vários países trabalhistas europeus pouco fizeram neste sentido. Assim, a riqueza permaneceu quase intacta e não houve alterações na propriedade privada dos meios de produção.

Um dos fatores para este fracasso é o próprio sentido de socialização e nacionalização. Se as empresas fossem socializadas, a propriedade não deixaria de ser privada, apenas “mudaria de mãos”. Caso fossem nacionalizada, havia a possibilidade de a burocracia emperrar o desenvolvimento. Outro fator era a própria falta de experiência neste assunto, pois, por exemplo, eles não sabiam quais empresas nacionalizar.

O principal aspecto, contudo, era a falta de apoio parlamentar. Sem um número suficiente de votos, qualquer lei de autoria social-democrata não teria os votos suficientes para ser aprovada e entrar em vigor. Surge o dilema: ser um partido totalmente socialista e ser derrotado em suas propostas ou ser um partido como qualquer outro, introduzindo apenas algumas reformas para as quais conseguisse apoio.

Os partidos escolheram a segunda opção, ou seja, tomavam medidas que não modificavam a estrutura da economia nem o equilíbrio político de forças, mas trazia benefícios imediatos às condições dos trabalhadores. Os social-democratas achavam que o Estado poderia financiar o “bem-estar social”, através de déficits financiando obras produtivas e superávites nos períodos de expansão. Desta forma, a sociedade não ficaria à mercê do mercado capitalista. Esta política de bem-estar social, se por um lado trazia um compromisso fundamental com os próprios capitalistas, por outro era economicamente viável, socialmente benéfico e politicamente praticável sob as condições democráticas.

O Estado passa a financiar as atividades econômicas que são necessárias para a economia como um todo, e vende seus produtos e serviços a empresas privadas. O Estado desempenha atividades que não são lucrativas para os capitalistas, mas que são necessárias para a economia como um todo.

A política social da social-democracia consiste em não transformar o sistema econômico, mas unicamente corrigir os efeitos de seu funcionamento. Como o Estado fortaleceu o mercado, os social-democratas perpetuam a necessidade de atenuar os efeitos distributivos de seu funcionamento. O reformismo, portanto, fora abandonado.

Os social-democratas ficam em um dilema, pois suas ações precisam ser financiadas pelos capitalistas, que eram quem deveriam ser “combatidos” pelos próprios social-democratas. Isto ocorre porque qualquer Estado, em uma sociedade capitalista, depende do capital. E a expectativa de que os lucros correntes seriam transformados em melhorias futuras nas condições materiais dos assalariados tornou-se a base do consentimento dado pelos social-democratas ao capitalismo. Além disso, se os lucros não forem suficientes, as taxas de salário ou o nível de emprego acabam por declinar.

Portanto, os social-democratas não atingiram e nem atingirão o socialismo. Eles só podem chegar ao poder com o apoio de diversas classes, que têm interesses diversos. As demandas destas classes só podem ser atingidas por redistribuição de renda, utilização da capacidade produtiva ociosa, dispêndio de reservas internacionais e/ou empréstimos no exterior ou através da redução da taxa de lucro. Tendo em vista que as três primeiras alternativas, mesmo se somadas, não bastam para satisfazer as demandas, sobra a redução da taxa de lucro. Esta, entretanto, está longe de diminuir, pois o lucro é o objetivo principal do sistema capitalista.


Dúvidas? Entre em contato para debatermos o tema.

Um abraço a todos e até a próxima!

Prof. Matheus Passos

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