Onde há participação popular, há respostas políticas

Nas últimas semanas, foram divulgadas diversas notícias a respeito do escândalo no Reino Unido envolvendo gastos feitos pelos parlamentares britânicos e reembolsados pelos fundos públicos daquele país. Como se sabe, parlamentares de todos os partidos pediram reembolsos de itens que vão de bolachas e colchões a esterco de cavalo, reparos em piscinas e pagamentos de hipotecas falsas.

A justificativa dos parlamentares britânicos soa familiar aos ouvidos dos brasileiros. Os parlamentares argumentam que seus pedidos não extrapolaram os limites legais, ou seja, “não fizemos nada de ilegal”. Como informa o site Estadao.com.br, os parlamentares britânicos recebem um salário anual de 63.291 libras (US$ 96.430) e uma ajuda de custo para cobrir despesas de escritório, custos de manter uma residência adicional e gastos com transporte, entre outras despesas. Em média, os parlamentares britânicos receberam reembolsos anuais de 135.600 libras (US$ 206.600) em 2007.

A divulgação das notícias irritou os cidadãos britânicos, especialmente pelo fato do Reino Unido enfrentar uma recessão que está trazendo aumento do desemprego no país. A questão levantada pela população não diz respeito ao aspecto jurídico dos reembolsos, mas sim ao aspecto moral: por mais que seja permitida juridicamente a exigência de reembolso, é moralmente correto que o contribuinte britânico pague por serviços que não trarão nenhum tipo de benefício para o coletivo, como a jardinagem e a eliminação de toupeiras de uma casa de campo de um parlamentar? O que isso contribui para o bem público?

É claro que analogias podem feitas com o Brasil, especialmente no que diz respeito ao escândalo recente do uso das passagens aéreas para fins privados por parte dos parlamentares brasileiros. Mas as analogias param por aí, porque o resultado do escândalo no Reino Unido é bem diferente do resultado do escândalo em nosso país. Ainda segundo o Estadao.com.br, “o governo britânico atingiu o menor nível de popularidade em pesquisas de opinião desde que estas pesquisas começaram a ser feitas em 1943. Segundo a pesquisa da BPIX/Mail On Sunday, apenas 23% da população do Reino Unido apóia a administração do Primeiro-Ministro Gordon Brown, do Partido Trabalhista.” Como resultado da baixa popularidade do Partido Trabalhista, no momento em que escrevo, sete ministros – em apenas quatro dias – já renunciaram a seus cargos, e cogita-se um plano para se retirar o Primeiro-Ministro Gordon Brown de sua função ainda no mês de junho, já que sua permanência no poder poderá levar à derrota nas eleições locais e europeias que estão acontecendo no Reino Unido desde ontem (05 de junho de 2009).

Enquanto isso, em nosso querido Brasil, os deputados e senadores pegos utilizando-se das passagens aéreas dão um jeitinho de “sumir” da mídia. Alguns, que querem passar a impressão de serem “bons moços”, divulgam que devolverão o valor usado indevidamente – o que levanta dúvidas, já questionadas neste site, sobre a origem do dinheiro a ser devolvido -. Outros parlamentares estão se lixando para a opinião pública e afirmam que não se preocupam com o que é veiculado na mídia porque “na próxima eleição vencerão de qualquer jeito”.

E, infelizmente, por mais hipócrita e imoral que tal frase possa parecer, é a mais pura realidade. Infelizmente, a participação política no Brasil é uma via de mão única, ou seja, o eleitor entra com o voto de quatro em quatro anos e nada mais. Não há um retorno, um “feedback”, da grande maioria dos parlamentares junto ao eleitorado. Por outro lado, o eleitorado acha que “já fez sua parte”, que já cumpriu com o seu glorioso dever cívico de votar e que, uma vez que votou, a responsabilidade já não é mais sua. Ilude-se com o pensamento de que “os parlamentares não nos ouvem, é inútil tentar reclamar de alguma coisa”, e nada faz para questionar ou pressionar o seu parlamentar buscando uma maior representatividade e participação política. Continua com sua vida passiva esperando pelas próximas eleições – não porque deseje votar, mas porque espera para que, pelo menos no momento da eleição, tenha um lote ou um aumento de salário garantido pelo candidato para, aí sim, definir seu voto, já que “são todos iguais”.

Não nos iludamos: a renúncia dos parlamentares britânicos e a tentativa de remoção de Gordon Brown do poder não são ações realizadas por altruísmo, por preocupação total com o cidadão britânico. São ações políticas, claramente realizadas tendo em vista o impacto político que terão junto ao eleitorado britânico de forma a manter o Partido Trabalhista no poder por mais tempo. Entretanto, é inegável o fato de que no Reino Unido, diferentemente do Brasil, há a resposta do parlamentar à população e, principalmente, há o interesse da população em relação ao que acontece na esfera política.

Enquanto o povo brasileiro continuar achando que todos são iguais e que não há como concretizar mudanças, o parlamentar brasileiro continuará se lixando para o povo e acreditando – com razão – que na próxima eleição será novamente reconduzido ao cargo.

(Publicado originalmente aqui.)

0 comentário em “Onde há participação popular, há respostas políticas”

  1. Uma questão de costume ou de moral?] Eis a questão!

    Apenas sei que cidadãos brasileiros deveriam agir como cidadãos e não como porcos (Salve George Orwell).

    Quem saberá quando estourará o próximo movimento “Caras pintadas”?

    Triste saber que não temos mais revoluções… a história está deixando de acontecer…
    Beijo

    ps: a postagem ficou melhor aqui nesse blog!

    Responder

Deixe um comentário