O descolamento da Petrobras frente à realidade social brasileira

O jornal “Correio Braziliense” de hoje traz o seguinte texto como manchete principal: “Os xeiques da Petrobras”. A reportagem, presente nas páginas 2 e 3 da edição de hoje, mostra que os vencimentos dos principais executivos da estatal tiveram aumento salarial médio de 90% entre os anos de 2003 e 2007 – enquanto a inflação do período, segundo o jornal, foi de 28,16%. Segundo o jornal, a média mensal salarial dos diretores é de R$ 60 mil – ultrapassando o teto salarial dos ministros do Supremo Tribunal Federal, considerados como limite máximo de pagamento de salário no funcionalismo público.

A matéria exibe alguns exemplos desses reajustes salariais. O diretor de Operações e Exploração da empresa teve seu salário anual aumentado de quase R$ 369 mil em 2003 para pouco mais de R$ 701 mil em 2007. Tal diretor recebeu ainda pouco mais de R$ 153 mil vindos da Petrus – o fundo de pensão dos funcionários da empresa. Isso sem considerar os mais de R$ 84 mil reais como 13º salário. Exemplificando ainda mais, o jornal afirma que os seguintes diretores também tiveram vencimentos anuais de mais ou menos R$ 710 mil reais em 2007: o presidente da Petrobras e os diretores Financeiro, de Abastecimento, de Gás e Energia, Internacional e de Serviços.

Ainda segundo o jornal, vale destacar que estes mesmos diretores são nomeados para seus cargos por indicação política. Os diretores citados anteriormente foram indicados da seguinte forma: um pelo PP, com apoio do PMDB do Senado; um pelo PMDB da Câmara dos Deputados; e os demais quatro pelo PT, sendo que um deles saiu da cota da ministra Dilma Rousseff – que é presidente do Conselho de Administração da Petrobras, órgão responsável pelas nomeações e pela decisão a respeito dos salários e dos benefícios dos diretores, conselheiros e do presidente da estatal. Chama a atenção também o fato de que o ex-ministro Silas Rondeau é um dos componentes do Conselho – tendo sido indicado para o cargo por José Sarney (PMDB) –, recebendo R$ 6 mil por mês para participar de uma reunião a cada quatro meses.

Muitos talvez argumentem que a Petrobras é uma empresa e que, como tal, tem por objetivo explícito dar lucro – está correto. Muitos talvez argumentem que a Petrobras tem um programa de participação nos lucros – está correto. Muitos talvez argumentem que a Petrobras aumentou o salário de seus funcionários (como está na própria reportagem) – e isto também está correto. Ora, se todos estes pontos estão corretos, qual o problema, então, de alguém ganhar R$ 60 mil por mês trabalhando no “serviço público”?

O problema que vejo é que, ao pagar altos salários a seus executivos, a empresa se descola da realidade brasileira, criando distorções que, em minha opinião, em nada contribuem para a própria atuação do estado brasileiro. Não vejo problema algum em alguém ganhar milhares, quase milhão, de reais em uma empresa privada: se a empresa decide pagar um salário elevado a seus funcionários, o problema é dela. Mas a questão, a meu ver, é diferente quando a empresa em questão é estatal – pois o estado brasileiro, tão “pobre” que é a ponto de ser incapaz de fazer investimentos e/ou de reduzir a carga tributária porque falta dinheiro – está gastando uma fortuna em salários de altos executivos de suas empresas. Pergunto-me: isto é moral?

O problema fica ainda mais contundente quando se percebe o viés político das indicações e o risco que tal viés ocasiona em termos de corrupção dentro do aparelho estatal brasileiro. Será coincidência que um dos diretores acima citados fez uma doação de mais de R$ 25 mil para o PT em 2007? Não há dúvidas de que tal situação de “proximidade” entre o governo e a maior estatal brasileira levará ao caixa dois nas eleições do ano que vem – ops, permitam-me corrigir, não é mais caixa dois e sim “doações de campanha não contabilizadas”…

Ainda subjacente à questão está o fato técnico: será que todos os diretores e conselheiros da Petrobras são pessoas “técnicas” ou “políticas”? Ou seja, estão no cargo porque são tecnicamente competentes em sua áreas ou porque são politicamente importantes no sentido de azeitar a relação do  governo com a estatal? Estão no cargo por méritos científicos ou acadêmicos ou porque são “amigos do rei”?

Por fim, há aquele que considero como o maior problema: o descolamento frente à realidade social brasileira. Em um país com tantas mazelas sociais – como qualquer pessoa com o mínimo de bom-senso sabe –, será moralmente correto o estado brasileiro pagar quantias tão altas aos seus funcionários? Em um país com tantas desigualdades sociais, é moralmente correto que seis pessoas (os diretores citados anteriormente, cada um com R$ 700 mil de salário por ano) ganhem o equivalente a 700 trabalhadores que ganham um salário mínimo de aproximadamente R$ 6 mil por ano?

Concordo com o princípio liberal de que cada um deva ganhar de acordo com seu mérito, e talvez – talvez! – tais diretores tenham mérito suficiente para ganhar tal bolada. Mas acho que o mérito salarial deva existir na iniciativa privada, e não no funcionalismo público. Caberia ao estado brasileiro, em minha visão, limitar os ganhos do funcionário público e utilizar o excedente em prol daquilo que realmente importa, evitando-se, assim, indicações políticas, caixa dois, favorecimento político e toda sorte de corrupção que se apresenta incrustada em nosso aparelho estatal – e evitando-se também de se chegar ao absurdo de termos de ouvir um Senador da República afirmar que não sabia que todo mês eram depositados R$ 3.800,00 em sua conta a título de auxílio-moradia, verdadeiro disparate tendo-se em vista as condições sócio-econômicas de nosso país.

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