Montesquieu e a República das Bananas do Brasil

Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu, foi um importante filósofo francês do século XVIII. Foi um pensador político típico da época do Iluminismo: buscou melhorar a estrutura social da França do século XVIII por meio do uso da razão e da crítica contundente à monarquia absolutista e ao clero de então. O pensador é mundialmente famoso pelas ideias presentes em seu livro “Do espírito das leis”, no qual apresenta sua famosa teoria da distribuição dos poderes – pensamento este que daria origem à separação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no formato que temos hoje.

Para além do seu elemento teórico mais famoso, Montesquieu, como todo bom filósofo político de sua época, apresentou também sua teoria sobre as formas de governo. O autor criou uma nova tipologia dos regimes políticos: deixando de lado a tripartição clássica de “democracia”, “aristocracia” e “monarquia”, Montesquieu apresenta a “república” – subdividida em “república democrática” e em “república aristocrática” –, a “monarquia” e o “despotismo”. Tais formas de governo se sustentam por dois princípios: a “natureza do governo”, que diz respeito à sua estrutura particular; e o “princípio do governo”, que é aquilo que move as pessoas submetidas a estas respectivas formas de governo.

A república democrática de Montesquieu se fundamenta no princípio da “virtude igualitária”, uma espécie de sentimento intrínseco a todos aqueles que são habitantes daquele país. Em outras palavras, Montesquieu defende a ideia de que todo habitante de uma república democrática deva ser naturalmente virtuoso – no sentido aristotélico do termo, ou seja, deve possuir a virtude política – e que busque, acima de tudo, a igualdade entre todos os indivíduos. Nas palavras de Chevallier (As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias, 1998, p. 129),

a virtude […] exige que se faça ao Estado, ao interesse público, um sacrifício contínuo de si mesmo e das próprias repugnâncias, do próprio egoísmo, indisciplina e ganância, de todos os apetites. […] É necessário que tal virtude jamais cesse, [é necessário] a renúncia a si mesmo, sempre muito penosa, o amor das leis e da pátria, que exige contínua preferência do interesse público ao próprio. […] Ora, só nas democracias o governo é confiado a cada cidadão; é necessário, pois, que cada cidadão seja levado a amá-lo, amando também a igualdade e a sobriedade, que são da própria essência da democracia.

Quanta abnegação! Quanto altruísmo! Quanta virtude, usando as palavras do próprio Montesquieu. Ficamos a imaginar: se as ideias fossem postas em prática provavelmente viveríamos bem melhor, não é mesmo? Infelizmente, não é tão simples assim. É claro que não podemos simplesmente pegar os conceitos apresentados em 1748 e transpô-los para a nossa realidade atual. O momento político vivido por Montesquieu na França absolutista do século XVIII é extremamente diferente do momento político vivido no Brasil atual.

Há alguns meses tive a oportunidade de presenciar o deputado Michel Temer presidir uma sessão na Câmara dos Deputados. Estava dentro do plenário, e ouvi o deputado citar Montesquieu “e sua famosa teoria da separação dos poderes”. Quem nos dera se os políticos brasileiros absorvessem muito mais de Montesquieu que apenas esta teoria. Quem nos dera se os políticos brasileiros passassem a enxergar como pré-requisito para o exercício do poder político a virtude política, tão bem definida por Montesquieu – e não apenas por ele, mas por diversos outros pensadores desde Aristóteles, há 2.500 anos atrás. Quem nos dera se houvesse um pouco mais de idealismo na cabeça do povo brasileiro, que fizesse com que este povo corresse atrás dos seus interesses, participasse politicamente e saísse da letargia em que se encontra por achar que “todos são iguais” e que “eu, cidadão ‘comum’, não posso fazer nada”. Quem nos dera se houvesse um mínimo de moralidade própria da grande maioria dos políticos: caso isso fosse possível, deixaríamos efetivamente de ser essa “República das Bananas”, na qual mandatários “fortes” se apropriam da máquina pública e fazem indicações e garantem vantagens a amigos e apoiadores, desconsiderando-se a lei, e caminharíamos em direção à virtude política apresentada por Montesquieu e por tantos outros filósofos políticos como o mecanismo necessário para a consecução de um bom governo.

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