Dilemas na participação política

Platão é considerado um dos maiores filósofos de todos os tempos. Suas preocupações e seus questionamentos estavam, sem dúvida alguma, muito à frente de seu tempo: Não é à toa que o filósofo grego é uma das bases do pensamento jurídico-político ocidental atual.

Uma das maiores contribuições de Platão foi a criação do método idealista, que, a partir do séc. XVI, passou a ser chamado de racionalista. Neste método, o filosofo raciocina sobre o que seria ideal para o mundo em que vive e, a partir deste ideal racionalmente criado, analisa o mundo no qual vive. Além disso, outro elemento teórico fundamental para o pensamento platônico é a distinção que ele fez entre o mundo ideal e o mundo material. O mundo material é, por definição, imperfeito, e corresponde ao mundo físico no qual vivemos. Esse mundo é imperfeito porque tudo nele é criado pelo ser humano, que é imperfeito. Já o mundo ideal é perfeito: nele está o que Platão chama de “entidades”, que são a representação perfeita de tudo que existe no mundo material. Neste sentido, caberia ao filósofo – entendido como a pessoa que tem conhecimento e sabedoria – ser o governante, pois apenas o filósofo teria condições de ter acesso ao mundo ideal e, vendo a perfeição que lá se encontra, trazê-la para o mundo material no qual todos vivem.

A introdução acima é necessária para o argumento que está por vir, qual seja, o de que aqueles que buscam a melhoria da política brasileira se deparam com uma encruzilhada vinculada ao pensamento de Platão. Ansiamos todos por melhorias em nossa realidade, em nosso mundo material, e temos a esperança de que “o futuro” nos trará dias melhores por meio da presença, no futuro, de um governante que será capaz de acabar com todos os nossos males atuais.

Limitando-se à história recente do Brasil, foi assim em 1985: O processo de derrocada do autoritarismo brasileiro e o nascimento da Nova República – e do elemento democrático vinculado ao novo ordenamento político-jurídico – traziam embutidos em si a esperança de que “dias melhores viriam”, pois nos veríamos livres do regime militar.

Foi assim em 1989: A primeira eleição direta para Presidente da República em quase 30 anos representava o acesso do povo ao processo político-decisório, bem como representava o acesso da oposição ao aparato político – acesso este negado durante todo o regime militar.

Foi assim em 1994: A eleição de um novo presidente da República simbolizaria o fim da “bagunça” política estabelecida no País após o histórico processo de impeachment ocorrido dois anos antes.

Foi assim em 2002: Tinha-se generalizada a ideia de que um legítimo “representante do povo”, engajado com os grupos sociais e com tudo aquilo que simbolizaria efetivamente a “vontade popular” finalmente tiraria do poder político “as elites” que historicamente dominaram – e exploraram – o Brasil.

E será novamente assim ano que vem, caso a candidatura de Marina Silva se concretize. Ela simbolizará a opção daqueles que, mais informados, percebem que o contorno político atual leva o País a uma eleição plebiscitária, na qual o que estará em jogo não é a Presidência da República – e sim um “sim” ou um “não” ao presidente Lula. Marina Silva se tornará a esperança daqueles que acham que há outro caminho passível de ser seguido no Brasil, caminho este que não se vinculará nem ao PSDB, nem ao PT – e muito menos ao PMDB.

E é neste ponto que surgem diversos dilemas políticos para o cidadão comum: 1) É viável a candidatura de Marina Silva? 2) Tem chances de ganhar? 3) O que vale mais a pena: Votar em Marina – que tem poucas chances de ganhar – e “jogar o voto fora” ou exercer uma cidadania consciente, mesmo sabendo que o voto consciente não mudará o estado de coisas? 4) Se Marina Silva ganhar, conseguirá governar de maneira “autônoma” ou será obrigada a fazer o mesmo que Lula fez – em nome da governabilidade, buscará apoios “estranhos”? Enquanto estas – dentre outras – perguntas surgem, a maioria da população, talvez por ignorância, talvez por comodismo, continua em seu idealismo platônico, dizendo que “não gosta de política” ou que “política não se discute” e esperando que “um dia” surja efetivamente um representante “do povo” que será capaz de colocar no bolso todos os políticos corruptos e ladrões e que, agindo assim, o mesmo nos levará ao mundo ideal. Uma pena.

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