Supremacia do Executivo

80% do que é aprovado no Congresso vem do governo

Na segunda reportagem da série sobre a produção legislativa, levantamento mostra que nos últimos 15 anos apenas 19% dos projetos aprovados na Câmara e do Senado tinha autoria de deputados e senadores

Quem legisla mesmo no Brasil hoje em dia é o Poder Executivo. O governo federal foi autor de 80% das matérias aprovadas no Congresso entre janeiro de 1995 e dezembro de 2009. Em contrapartida, das propostas atualmente à espera de votação, só 3% são do Executivo. Com os parlamentares, acontece o inverso: a minoria dos projetos é aprovada e a maior parte da fila de espera é formada por propostas feitas por senadores e deputados.

Os dados são de levantamento do Congresso em Foco combinado com pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) e balanços do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Um estudo prestes a ser concluído pela USP mostra que 85,5% das 2.701 leis aprovadas na Câmara entre 1995 e 2006 eram de iniciativa do governo federal. Só 14,5% tinham deputados e senadores como autores. Somados a levantamentos mais recentes do Diap, o índice de projetos aprovados do Executivo fica em 80%. E o dos parlamentares, em 19%.

Por outro lado, levantamento do Congresso em Foco realizado em 29 de março deste ano mostra que apenas 81 dos 2.472 projetos de lei (3,3%) à espera de votação nos plenários era de iniciativa do Executivo. Apenas 14 proposições formavam o grupo das de autoria dos tribunais e do Ministério Público. O restante das matérias congeladas nas gavetas – 2.377 ou 96,2% – era de iniciativa de deputados e senadores.

“É a face da mesma moeda. Se o Executivo tem tanto protagonismo na produção de leis, projetos do Legislativo ficam todos na fila”, observa o coordenador do estudo da USP, o diretor do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas, José Álvaro Moisés, que é doutor em ciência política.

Parlamentares e especialistas entendem que o governo federal conta com prerrogativas dadas pela Constituição de 1988 que reduzem o poder do Legislativo a atravancam a pauta de votações, como as Medidas Provisórias e os regimes de urgência nos projetos.

O professor Moisés se preocupa com a redução de poder do Congresso porque isso significa retirar poder da sociedade que ele representa, especialmente as minorias. “O grande legislador no Brasil é o Executivo. A função do Congresso que é apresentar leis não é exercida”, diz ele, ao citar as outras funções do Legislativo.

Apesar da preponderância do Executivo na aprovação de matérias, essa força vem caindo, segundo dados do Diap. Em 2006, 69,7% das leis aprovadas no Congresso eram de autoria do governo. O índice subiu para 76,5% no ano seguinte, baixou para 59,3% em 2008 e caiu para 38,8% no ano passado.

Ao mesmo tempo, as matérias aprovadas de iniciativas de parlamentares têm subido. Eram 22,4% em 2007, 34,9% em 2008 e 52,2% em 2009, de acordo com dados do Diap.

Tramitação

Os dados apurados pela equipe de Moisés mostram que o Executivo consegue fazer suas ideias andarem mais rápido pelos corredores do Congresso do que os parlamentares. Em média, o governo vê seus projetos gastarem 271,4 dias para serem aprovados na Câmara. Os senadores e deputados precisam de 964,8 dias, ou mais de dois anos e meio, para obter o mesmo êxito.

“Quem decide o que entra e o que não entra em votação é o Colégio de Líderes, a partir de iniciativa do líder do governo”, afirma Moisés. “Proposições que são feitas pelo próprio Congresso entram nessa fila que não termina nunca”, conta Moisés, em entrevista ao Congresso em Foco.

Na segunda-feira (26), o site já havia mostrado que, dentre as 2.135 matérias no plenário da Câmara, a média de idade das propostas era de nove anos.

O coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) entende que, se o Executivo tivesse a maior parte na lista de matérias na fila, haveria um problema para o Palácio do Planalto. “Significaria que a base do governo não vota os projetos do governo”, diz o doutor em ciência política Fabiano Guilherme Santos.

Como o que acontece é o inverso, o pesquisador mostra os limites da atuação de deputados e senadores. “Os parlamentares costumam iniciar vários projetos, mas eles sabem que só alguns deles vão poder realmente tramitar”, afirma Santos.

Desequilíbrio

Até governistas, como o ex-líder do PT na Câmara Maurício Rands (PE), concordam com o poder exagerado do Executivo. “O Legislativo precisa se impor sendo eficiente. Para poder se impor, tem que melhorar seu processo decisório”, diz ele, criticando o regimento interno que, em sua opinião, facilita demais o poder das oposições obstruírem votações.

Rands entende que o Congresso poderia fazer mais. “Há um desequilíbrio. É muita força do Executivo. O Congresso precisa ter mais poder, mas ele também diminui seu poder porque o processo decisório é ineficiente.”

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) concorda que a articulação das maiorias e as iniciativas do Executivo se confundem. “As aprovações sempre decorrem da articulação de maiorias ou de iniciativas governamentais”, diz ele.

O senador Casagrande (PSB-ES) lembra que, embora importantes, diversas iniciativas do Poder Executivo engessam o andamento de outras propostas relevantes feitas pelos congressistas.

“Agora mesmo vamos ficar com a pauta trancada dois ou três meses por projetos do Executivo”, afirmou o senador, em referência às propostas para a regular a exploração de petróleo na camada do pré-sal. Assim como Maurício Rands, Casagrande acredita que a edição de medidas provisórias ficou limitada nos últimos tempos, mas pode ficar um pouco mais restrita.

Segundo José Álvaro Moisés, a pesquisa “O desempenho do Congresso Nacional no contexto do presidencialismo de coalizão” terá os textos concluídos em maio deste ano. Depois, serão feitos seminários para debater os resultados. A publicação do trabalho, já revisado, acontecerá posteriormente.

(Original aqui.)

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