A extinção de dezessete tribunais

Não, não é no Brasil. É na França. Mas vale a atenção. A reforma judiciária francesa, de caráter eminentemente adminstrativo e financeiro, depois de três anos de discussão, terminou agora. A justificativa é que o judiciário tem que levar em conta a nova realidade demográfica, econômica e social do país. Desde 1958 não havia reforma tão grande.

Serão cerca de 390 primeiras instâncias, varas judiciais, de um total de 1206, suprimidas, ou melhor reagrupadas. Na cidades onde havia pouca demanda, fecham-se as instâncias e reagrupa-se em cidades vizinhas. Cerca de 400 juízes serão remanejados. Mais de 1.400 funcionários também. Muitos indenizados e dispensados.

Os prédios judiciais, imóveis pertencentes ao estado francês serão vendidos, reformados inclusive para permitir o acesso aos deficientes físicos. Uma situação impensável há bem pouco tempo.

Os argumentos contrários a estas medidas foram muitos, por parte dos prefeitos, dos políticos locais que perderam os serviços judiciais oferecidos comodamente em suas áreas, dos magistrados, de seus sindicatos, de especialistas e de evidentemente dos tribunais fechados. Alegam que com isto se reduzirá o acesso dos cidadãos aos tribunais e a democracia precisa de mais acesso. Dificultar-se-á o exercício profissional de milhares de advogados. Há até o argumento de que o deslocamento das partes para as cidades vizinhas fará crescer o dano ambiental devido ao maior gasto de combustível… Esta situação aqui impensável, tornou-se lá, indispensável. Por que?

Porque existe um momento, um ponto na curva, onde o problema deixa de ser de fortalecimento do Poder Judiciário. Deixa de ser sua eficiência administrativa. Deixa de ser a simplificação processual. Deixa mesmo de ser a ampliação da distribuição da justiça estatal para um número cada dia maior de cidadãos em conflitos cada dia mais complexos e multiplicáveis. Deixa de ser a progressiva judicialização do quotidiano das pessoas.

A Europa passa por momento financeiramente delicado. A maioria dos países têm que diminuir seus endividamentos, seus déficits, para evitar crises que às vezes se avizinham com intensidade, e atingirão a todos: cidadãos, empresas e governos locais.

Na falta de alternativas institucionais, de prevenção contra a especulação financeira globalizada e na continuidade de gastos públicos excessivos, a França tenta conciliar uma justiça mais rápida e eficiente com a redução, a médio e longo prazo, do déficit público que inclui não apenas os gastos do Poder Executivo mas do Judiciário também. Administração da justiça estatal é administração pública também.

No Brasil, fica cada vez mais claro que não haverá nunca recursos públicos suficientes para uma expansão apenas física de nosso judiciário dentro do modelo atual. Por mais que se aperfeiçoem, e é necessário, os indispensáveis controles. Cada dia duas tendências vão se impondo ao bom senso. Primeiro, a urgência da reforma processual que selecione o acesso aos tribunais – facilitando os que não têm ou tem pouco e dimuindo os que muito têm, como os governos inclusive.

Estatísticas recentes do IBGE e IPEA mostram que o acesso à justiça aumenta conforme aumenta a renda do cidadão. Segundo, uma decisiva expansão de outras administrações da justiça que não a puramente estatal, como conciliação, arbitragem, mediação, múltiplas formas comunitárias, é necessária. O que não é novidade para ninguém. A novidade é que se estes caminhos não forem trilhados com determinação, imaginação e liderança políticas, o orçamento de hoje, determina o de amanhã.

(Original aqui.)

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