Existe “intervenção militar constitucional”?

Ainda na esteira das manifestações de 13 e 15 de março deste ano, todos devemos ter vistos inúmeros cartazes pedindo uma “intervenção militar constitucional” nas ruas. Nas redes sociais vários compartilham postagens com tal pedido. Fica então a pergunta: existe “intervenção militar constitucional”? A resposta você vê no artigo a seguir. Não se esqueça de deixar sua opinião em nossa enquete, feita ao final do texto!

“Intervenção militar constitucional” é possível no contexto atual?

Em meio às manifestações populares realizadas em primeiro de novembro, como a da Avenida Paulista, que pressionavam pela investigação do escândalo da Petrobras e das suspeitas relativas ao processo eleitoral, foram vistos alguns cartazes – notoriamente minoritários – clamando por uma intervenção militar. Desde algum tempo antes, já circulavam na Internet comentários em defesa de uma ação militar contra o Governo Federal como sendo algo com total respaldo da nossa Constituição, evocando para isso o seu artigo 142. Parece clara a necessidade de colocar os “pingos nos is” e entender até que ponto isso é verdade.

Definitivamente, podemos responder de antemão: em nenhum ponto. A possibilidade de haver uma intervenção militar acionada mediante uma reivindicação popular nas ruas, com amparo em nosso ordenamento jurídico, é nada mais que um mito. Basta ler o tão proclamado artigo 142. Ele diz:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Diante do fato de que vivemos em uma democracia representativa, qualquer ação militar precisa ser requisitada por um dos três “poderes constitucionais”, inspirados na velha teoria da separação dos poderes de Montesquieu: Legislativo, Executivo ou Judiciário. Não é concebível imaginar que, indo às ruas com cartazes, o povo possa, respaldado pela Lei Suprema do país, convocar as Forças Armadas a derrubar a Presidente.

A Presidência da República, aliás, é apontada como a “autoridade suprema” sob a qual as Forças Armadas se organizam. Isso não está aberto a interpretações ou relativizações. Seria um contrassenso e uma completa quebra de hierarquia uma intervenção dos militares para destituição de sua liderança suprema. Uma das principais finalidades do Exército, da Marinha e da Aeronáutica é justamente garantir a estabilidade institucional dos três poderes, o que inclui a manutenção do chefe do Executivo durante os 4 anos previstos, em condições de normalidade, e não o contrário.

A única possibilidade de o presidente não concluir seu mandato por vias legais é sendo destituído através de ferramentas previstas em nosso arcabouço legislativo e que não passam em momento algum por nenhum tipo de intervenção militar armada, como, por exemplo, o impeachment, previsto no artigo 85 da Carta Magna e regulamentado pela lei 1.079/50.

Vale lembrar que, de acordo com o inciso 2º do artigo 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999, “a atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Note-se: uma eventual “intervenção militar constitucional” apenas se daria com a observância de diretrizes estipuladas pelo Presidente – atualmente, não precisamos lembrar, Dilma Rousseff.

O texto expressa ainda que essa eventual intervenção é excepcional, ou seja, apenas pode ser aplicada após o esgotamento de todos os instrumentos convencionais que se destinam exatamente à preservação da ordem pública. Quais instrumentos são esses? A nossa Constituição fixa taxativamente, em seu artigo 144, que a segurança pública é dever do Estado e exercida para a preservação dessa ordem e a integridade das pessoas e do patrimônio, por meio da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, das policias civis e militares e do corpo de bombeiros. Portanto, apenas se todas essas forças estiverem esgotadas ou comprometidas, se poderia pensar na possibilidade de uma ação militar constitucional.

O advogado constitucionalista Alexandre de Moraes, graduado em Direito pela USP e doutor em Direito do Estado, faz uma oportuna afirmação:

A multiplicidade dos órgãos de defesa da segurança pública, pela nova Constituição, teve dupla finalidade: o atendimento aos reclamos sociais e a redução da possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna.¹

Fica muito claro que a intervenção militar imaginada por algumas correntes minoritárias que têm surgido em meio à recente revitalização de um movimento liberal e conservador no país não possui qualquer embasamento constitucional. Não existe a possibilidade de afirmar que nossa Constituição, estabelecendo as conformações do Estado e a autoridade da Presidência, preveja, ela mesma, a ideia de uma derrubada de suas bases pelas forças que devem sustentá-las. Todos aqueles que clamam por tal coisa, de boa ou má-fé, estão pedindo, nada mais, nada menos, que um golpe, e é preciso que isso fique muito claro.

Por maiores que sejam as irregularidades que enxerguemos nas atitudes do atual governo brasileiro, por mais ansiosos que nos sintamos por deter seu ímpeto na busca do poder pelo poder, ainda existem estruturas institucionais em funcionamento no Brasil. Parece-nos que uma manifestação ou pressão popular que clame pelo respeito a elas deve buscar uma mobilização dessas estruturas, e não a derrocada definitiva das mesmas. Combater medidas autoritárias invocando um autoritarismo golpista não parece ser o caminho – muito menos se encoberto por falsas premissas, sendo a Constituição tão clara e objetiva a esse respeito. Demonstrado isso, esperamos que nas próximas manifestações, já marcadas para 15 de novembro, essas propostas – que, frisamos, são minoritárias – não prosperem em um movimento que se quer democrático, respeitando a ordem vigente no país. Nesse sentido, subscrevemos a famosa frase do filósofo austríaco Karl Popper: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes, senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”.²

Referências:

1. MORAES, Alexandre, Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 767.

2. POPPER, Karl Raymond. The Open Society and Its Enemies: The Spell of Plato. Princeton University Press, 1971, ISBN 0-691-01968-1, p. 265.

(Original aqui.)

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6 comentários em “Existe “intervenção militar constitucional”?”

  1. Gritar e pedir intervenção militar é um direito constitucional. Pedir a saída de um governo corrupto onde deixa que as instituições pilares do nosso país sejam corroídas é constitucional. Nosso país está sendo devorado por víboras e algo precisa ser feito. Pedir a saída da Dilma é pouco. A maioria da população quer o fim desta bagunça no executivo, legislativo e judiciário, onde grupos estão devorando o país, leis que só oneram e denigrem os valores sociais e legislam em causa própria e não para a população e um judiciário onde um ministro que foi advogado de um partido julga seus companheiros….absurdo o que acontece neste país…por isso pedir intervenção militar além de ser constitucional é justo!! e para o autor petista que certamente não tinha nascido, ninguém pediu fora Castelo Branco porque o povo desejava, foi uma solicitação do povo, pena que não pediram para implantarmos a pena de morte para os terroristas.

    http://inaciovacchiano.com/2015/03/23/pesquisa-demonstra-populacao-e-contra-o-impeachment-e-a-favor-da-intervencao-militar/

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    • Concordo plenamente com você. Gritar e pedir o que quiser é um direito constitucional. Faço, porém, três ressalvas: 1) Como o próprio texto deixa claro, não há nenhum mecanismo constitucional que permita intervenção militar (e se você acha que existe, seria bom ler a Constituição brasileira – depois volte aqui e nos indique em qual artigo, parágrafo ou alínea isso está previsto). Logo, defendê-la (a intervenção militar) é defender um golpe de Estado – e não conheço nenhum golpe de Estado que tenha tirado o governante então no cargo e transferido o poder ao povo. Em outras palavras, golpes de Estado apenas deram origens a ditaduras (nosso país passou por isso em tempo relativamente recente). Portanto, é uma questão binária, de lógica: quem defende intervenção militar está, sabendo ou não, defendendo golpe de Estado. 2) Há que se levar em conta, na formação de um governo, que o mesmo atue em nome do e em benefício do cidadão. E uma ditadura – resultado dessa intervenção militar que muitos defendem – não faria isso. Não se pode dizer que uma ditadura “fez bem ao povo”, seja lá qual for a ditadura, pois é próprio da ditadura tirar direitos do cidadão, seja lá quais forem removidos – e nenhuma ditadura é justa. 3) O texto original, seu comentário e o meu só puderam ser publicados porque vivemos em um regime que garante certas liberdades individuais. Se vivêssemos sob uma “intervenção militar”, ou seja, sob uma ditadura, você realmente acredita que seríamos capazes de questionar o governo quando discordássemos do mesmo? Um abraço e obrigado pela sua visita.

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      • É muito interessante que, quando se trata de governo militar ou ditadura militar, aparecem um bando de militantes de esquerda marxistas ou sociais democrata apavorados com a “ditadura”… dizem que é um retrocesso, que muitos direitos que temos hoje desapareceriam, mas esquecem que muitos desses direitos foram conquistados por correntes liberais, pior esquecem da “ditadura do proletariado” que a esmagadora maioria dos marxistas defende e quanto a questão de “golpe”, qual o método baseado na ideologia marxista para o proletariado chegar ao poder? simplesmente a revolução armada, através da força ou seja um golpe de estado. Não defendo ditaduras, nem revolução, nem golpe mas esse embate ideológico está atrasando a humanidade. Devemos crescer e aprender com os erros e acertos de tudo que foi vivenciado até aqui e não ficar gastando tempo e energia em ideologias (independente de qual seja) que não se pode mais aplicar na atual sociedade, ao invés disso deveríamos estar concentrando nossas ideias em soluções ou seja reestruturação de esferas que hoje estão completamente corroídas e desgastadas. O Brasil hoje, digo o povo ou a nação brasileira deve trabalhar de forma ordenada com a divulgação do que realmente está acontecendo com o país, já que não existe mídia imparcial e educação de qualidade, e isso nós mesmos podemos fazer de várias formas, para que o mais breve possível tenhamos mais pessoas engajadas em um país limpo e bom pra todos, de verdade.

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        • Excelente comentário. Concordo com o que falou, especialmente a respeito de buscarmos novas ideias para solucionar os problemas do nosso país. Obrigado pela sua participação! Um abraço e volte sempre.

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  2. Prof. Matheus, existe alguma possibilidade de que nas eleições presidencias do ano passado tenha ocorrido algum tipo de fraude no que diz respeito as urnas? Na internet já vi muitos comentários a respeito disso, mas não vi nenhuma prova concreta de que houve a fraude, nem de que essa fraude não ocorreu.

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    • Caro João, pessoalmente creio que não. Possibilidade existe, não só nesta como em outras eleições, pois alguns estudos mostram que a urna eletrônica não é tão segura quanto parece. Contudo, realmente não há a divulgação de nenhum indício que permita-se afirmar tal coisa. Um abraço!

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