A separação de poderes para Os Federalistas


Na semana passada falei sobre a separação de poderes para Montesquieu. Hoje volto ao tema, mas desta vez vou falar sobre a separação de poderes para Os Federalistas.

Já falei bastante sobre eles aqui no site, e inclusive você pode pegar um resumo d’Os artigos federalistas clicando neste link. De toda forma, o tema é atual e vale a pena ser revisto sempre que possível.



A separação de poderes para Os FederalistasA porta aberta pelos federalistas gerou inúmeros benefícios no que diz respeito ao desejado equilíbrio entre os poderes – os famosos checks and balances ou, como se fala no Brasil, os freios e contrapesos. A consequência do arranjo institucional proposto pelos autores, sob uma perspectiva filosófico-política, era a busca da garantia de maior liberdade para os indivíduos, visto que cada esfera de poder buscaria, ao mesmo tempo, ampliar o âmbito de sua atuação e restringir o âmbito de atuação das outras esferas, o que, ao fim e ao cabo, resultaria no equilíbrio entre os poderes com a consequente limitação de sua atuação. Fundamentando-se na característica da competição, a qual é inerente aos seres humanos, os federalistas buscaram fazer com que na prática uma esfera de poder controlasse a outra – ou seja, com que uma esfera travasse a atuação das outras –, sendo tal controle a origem da liberdade individual de cada cidadão (LIMONGI, 1999, p. 249).

É nesta perspectiva que o arranjo proposto pelos federalistas, se não é inovador em sua essência, apresenta sua originalidade nas especificidades deste mesmo arranjo político-jurídico. Uma de tais especificidades diz respeito à completa ausência de vínculo entre o exercício dos poderes políticos e os estamentos que compõem determinada sociedade. Por outras palavras, os federalistas rejeitavam a proposta de governo misto que é, em realidade, a proposta feita por Montesquieu em seu livro O espírito das leis. Tal associação existia na Inglaterra à época, daí ter sido proposta por Montesquieu; mas nos Estados Unidos tal associação não era passível de ser realizada dada a inexistência de estamentos sociais naquele país. Assim é que os federalistas estimulam a ambição individual para que esta, desde que exercida dentro dos limites constitucionais, pudesse travar os desejos de outrem: “a ambição deve poder contra-atacar [sic] a ambição” (MADISON, 1993, p. 350).

Aplicando-se a ideia ao exercício dos poderes políticos tem-se a justificativa para a separação constitucional de poderes, já que “os diferentes ramos de poder precisam ser dotados de força suficiente para resistir às ameaças uns dos outros” (LIMONGI, 1999, p. 251). Nesta perspectiva os federalistas consideram que o poder Executivo é forte por natureza, especialmente por ser o poder responsável pelo comando militar na (então) nascente república americana e também pela execução do Orçamento. Por sua vez, o poder Legislativo também consegue defender-se a si mesmo, posto ser dele que partem todas as iniciativas legislativas que, em verdade, até mesmo podem submeter os demais poderes à sua própria vontade.



Chegam os federalistas ao poder Judiciário e reconhecem – assim como antes o fizera Montesquieu – que realmente este é o poder mais fraco dentre os três, especialmente considerando-se o fato de que este poder não possui iniciativa própria – só atua quando provocado. Seria necessário, portanto, fortalecer o poder Judiciário frente aos demais, sob pena de sua redução e de sua submissão em relação aos outros dois poderes. Tal fortalecimento ocorre por meio de diferentes prerrogativas atribuídas especificamente ao poder Judiciário, as quais dizem respeito aos seguintes itens: a) o modo de designação dos juízes; b) as condições para a permanência em suas funções; 3) a divisão da autoridade judiciária entre diferentes tribunais (MADISON, 1993, p. 478).

Para além destes elementos, vale destacar uma frase presente n’Os artigos federalistas que possui ampla relevância para o argumento aqui desenvolvido: afirmam os autores que a missão do poder Judiciário “deverá ser declarar nulos todos os atos contrários ao sentido manifesto da Constituição” (MADISON, 1993, p. 480). É com esta frase, bem como com o desenvolvimento subsequente em seu texto, que os federalistas efetivamente igualam a força do poder Judiciário – um poder quase nulo, como dito anteriormente – aos outros dois poderes. É por meio da possibilidade de declarar nulos todos os atos contrários ao sentido manifesto da Constituição que o poder Judiciário deixa de ser “mero” poder cuja função é solucionar litígios quando estes se manifestassem para se transformar em verdadeiro garante da Constituição.

Esta é, portanto, a responsabilidade do poder Judiciário junto ao povo decorrente da vitaliciedade dos juízes no exercício de suas funções: “[…] os tribunais foram concebidos para ser um intermediário entre o povo e o legislativo, de modo a, entre outras coisas, manter este último dentro dos limites atribuídos a seu poder”. Portanto, compete ao poder Legislativo criar leis, e para tanto tem este poder total liberdade para agir conforme considerar o mais correto; contudo, “a interpretação das leis é o domínio próprio e particular dos tribunais” (MADISON, 1993, p. 481). Ora, sendo a Constituição uma lei fundamental, deve ser interpretada única e exclusivamente pelos juízes, não pelos próprios legisladores – que, se o fizessem, estariam legislando e/ou julgando em causa própria.



É importante destacar que os federalistas tomam o cuidado de evitar serem interpretados como se estivessem defendendo a superioridade do poder Judiciário em relação aos atos legislativos, pois não é isto que defendem. Para tanto argumentam que superior é a vontade do povo, a qual é expressa claramente na Constituição. Portanto, a eventual intervenção do poder Judiciário nos atos do poder Legislativo ou do poder Executivo nada mais é do que a atuação do povo, por meio do poder Judiciário, na defesa de seus interesses expressos na Constituição – e que seriam passíveis de serem violados caso a lei abusiva aprovada pelo poder Legislativo ou o ato administrativo ilegal do poder Executivo entrasse em vigor sem serem declarados inconstitucionais (MADISON, 1993, p. 481).

Outro ponto relevante apresentado pelos federalistas diz respeito à função de jurisdição constitucional exercida pelos juízes, isto é, a função de garantir direitos fundamentais conforme a terminologia mais recente. Compete aos juízes, no âmbito desta função, evitar arroubos momentâneos que surjam junto à sociedade e que poderiam fazer com que uma minoria tivesse seus direitos civis diminuídos ou até mesmo extirpados pela vontade da maioria. Assim, leis injustas ou parciais que violem tais direitos devem ser de pronto consideradas como inconstitucionais pelos juízes, já que sua função, conforme explicitado acima, é garantir acima de tudo a defesa da Constituição.

Como se pode perceber por esta breve síntese, Os artigos federalistas contém elementos fundamentais para o fortalecimento da ação do poder Judiciário em um sistema político-jurídico fundado na separação de poderes. Os autores defenderam explicitamente tal fortalecimento como um meio de contrabalançar a supremacia que os outros dois poderes naturalmente têm e o fizeram com o objetivo de garantir, em última instância, a liberdade individual por meio de um rigoroso sistema de freios e contrapesos (checks and balances) entre os três poderes. Neste sentido, ainda que as ideias federalistas no que concerne ao poder Judiciário tenham efetivamente se concretizado nos Estados Unidos apenas em 1803 com o famoso caso Marbury vs. Madison, é inegável que a origem da força atual do poder Judiciário se encontra n’Os artigos federalistas. Resta saber se os temores de Montesquieu sobre este poder – se os juízes julgariam conforme a lei ou conforme sua própria opinião – se concretizaram ou não.



Referências:

LIMONGI, Fernando Papaterra. “O Federalista”: remédios republicanos para males republicanos. In: WEFFORT, Francisco. C. (org.). Os clássicos da política. 1º vol. 11ª ed. São Paulo: Ática, 1999.

MADISON, James. Os artigos federalistas. Trad. Maria Luíza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.


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Um abraço a todos e até a próxima!

Prof. Matheus Passos

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