Meu caro leitor, não se assuste. O título da coluna é este mesmo: “Um viva aos Estados Unidos da América!”. E o título não é pejorativo e muito menos irônico: Quero efetivamente dar um viva àquele país que é comumente associado ao imperialismo, às transgressões aos direitos humanos, à postura de “xerife do mundo”, à exploração econômica causada pelos “ricos de olhos azuis”, ao capitalismo desenfreado e à ganância econômica.
Meu viva, entretanto, não vai para os EUA atuais, e sim, para os EUA da origem. O leitor menos atento talvez não tenha percebido que o último sábado foi o dia 4 de julho. “E daí?”, poderia me perguntar alguém – e com razão. O dia 4 de julho para nós é apenas mais um dia do ano, sem nada de especial. Mas é o dia em que os EUA comemoram sua independência, ocorrida nos idos de 1776, e é para os Estados Unidos daquela época que meu viva vai.
O motivo de tal viva é muito simples. Os “founding fathers” do Estado americano não criaram apenas mais um novo Estado: Eles criaram, basicamente, toda a estrutura político-jurídica sobre a qual se assenta a chamada civilização ocidental. Para além de pessoas específicas daquele processo, quero me focalizar aqui fundamentalmente em quatro elementos criados pelos americanos e presentes nos dias de hoje: 1) O conceito de presidencialismo; 2) O conceito de república moderna; 3) O conceito de democracia moderna; 4) O conceito de federalismo.
O ápice do processo que deu origem aos quatro itens acima citados foi a promulgação da Constituição Americana em 1787, após aprovação na Convenção da Filadélfia. A Constituição americana colocou em prática os preceitos de Montesquieu, criando efetivamente a separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, e dando origem ao cargo político mais importante nos EUA: o presidente da República. Criava-se, assim, o presidencialismo, forma de governo em que as funções de chefe de Estado e de chefe de governo se centralizam em uma única pessoa e cuja atuação é independente do poder Legislativo no que diz respeito à sua origem. Rompia-se, desta forma, com a longa tradição parlamentarista em voga na Europa, originária da Inglaterra ainda nos idos de 1215 com a “Carta Magna” e concretizada em território inglês com a monarquia parlamentar a partir da Revolução Gloriosa de 1688.
A Constituição americana criou também o conceito de república em seu sentido moderno. Para além da inovação do termo, colocando-o em oposição a uma monarquia – na qual o chefe de Estado é hereditário –, a república americana trouxe a novidade de que o povo – considerando-se como “povo”, à época, todos os homens livres – passou a ter impacto no próprio governo, situação inexistente na Europa – o centro político do mundo de então. Estabeleceu-se a igualdade entre todos os homens e, mais importante, vinculou-se a importância da participação do cidadão na esfera pública (política) ao sucesso do país.
Tal proposta estava diretamente ligada ao conceito de democracia, ideia levada ao seu máximo – pelo menos para a época – pelos americanos. Antes mesmo da Revolução Francesa – e de toda a amplitude que tal Revolução trouxe em relação à ideia de igualdade jurídica entre todos os homens –, os americanos foram efetivamente revolucionários ao criarem mecanismos que garantiram a possibilidade de participação a todos os homens livres da época. Talvez hoje possa parecer pouco, mas o mecanismo jurídico-institucional criado pelos americanos fez com que o princípio da democracia se enraizasse de tal forma naquele país que o francês Tocqueville, já citado aqui em outra coluna, se maravilhasse com a estrutura política americana quando de sua visita aos EUA, 50 anos após sua independência.
A democracia americana, entretanto, só funcionou porque os americanos criaram outro princípio político fundamental nos dias atuais: o conceito de federação. Estabelecidos em uma confederação logo após sua independência, a promulgação da Constituição Americana transformou o país em uma federação, dando origem à distinção entre níveis de poder (o que chamamos no Brasil de União, estados e municípios) e vinculando a participação política do cidadão não apenas a questões de sua localidade, mas também à própria escolha do presidente do país – daí advém o sistema eleitoral americano que se perpetua até os dias de hoje, com os delegados, e que tanta estranheza causa ao cidadão brasileiro.
Infelizmente, o espaço é curto para que se possa desenvolver mais a fundo cada uma das ideias acima. De todo jeito, é fundamental compreender estes quatro elementos para que percebamos que a contribuição americana, para a política mundial, foi fundamental em seus primórdios e, afirmo sem titubear que, se não fosse pelos americanos – muito mais do que pelos franceses, com sua Revolução em 1789 –, o mundo como o conhecemos seria totalmente diferente. Assim, pelo menos em termos políticos, devemos dar sim um viva aos Estados Unidos, e agradecer a eles pela sua genialidade e criatividade na solução dos problemas políticos enfrentados à época – além, é claro, de tê-los como exemplo no sentido de perceber que, quando há vontade política, é possível mudar para melhor a situação de um país.