Por Arthurius Maximus*
A recente crise política entre Brasil e Honduras, alguns posicionamentos do governo brasileiro e a repercussão destes entre a população serviram para demonstrar claramente como a ignorância e a falta de informação podem ser prejudiciais a um povo.
Descartando-se as condições que levaram os acontecimentos em Honduras a serem considerados como um golpe, podemos perceber que a população brasileira ainda se deixa influenciar claramente por questões ideológicas menores e sem importância, esquecendo-se que certas ações devem ser observadas sob uma ótima mais fria e mais distante, banhada unicamente pela legalidade e pelo normalismo civilizado.
Lula afirmou em entrevista, ainda na ONU, que Zelaya é o Presidente eleito de Honduras e que, por isso, deve cumprir o seu mandato até o fim e “ponto final”. No entanto, antes de ser um político eleito e mesmo de gozar de altíssimos índices de popularidade (o caso de Lula), Zelaya é, como qualquer um de nós, escravo da lei maior de seu país: a Constituição.
E é aí que se encerra toda a discussão sobre “golpe”, “contra golpe” ou “não golpe”. O que teria acontecido em Honduras? Analisando-se sob o ponto de vista da Constituição daquele país, Zelaya pretendia dar um golpe e modificar a mesma. Em seu artigo 239, a Constituição hondurenha ordena a deposição e a perda dos direitos políticos por dez anos do político que assim se comportar. Este ditame foi seguido pelo governo atual, com apoio da Corte Constitucional (o STF hondurenho).
Mas porque todos dizem que houve um golpe por lá? Por que as demais nações assim reconheceram as ações empreendidas? O golpe pode ser estabelecido graças a inúmeros erros cometidos pelos responsáveis pela deposição de Zelaya: A falta de um processo de impedimento formal (como aquele que fizemos com Collor), o sequestro de Zelaya e o seu envio compulsório para a Costa Rica ainda de pijamas e a idiota opção pela censura e pelo silêncio diante da comunidade internacional.
Mas e daí? O que isso tem a ver com ignorância e falta de informação? Muito simples. A forma como algumas pessoas vem tratando o caso, inclusive o Presidente Lula, mostra que pouco conhecem sobre a democracia e a organização política.
O fato de alguém ter sido eleito ou gozar de grande popularidade não pode ser encarado como a concessão de um cheque em branco, que permita a violação de qualquer lei, em nome da satisfação de vontades pessoais e da perpetuação no poder. Desde a Idade Média, concluiu-se que o poder absoluto corrompe e é perigoso. Daí o surgimento de um instrumento capaz de traçar parâmetros de comportamento e de limitar o poder das autoridades, garantindo que, em determinadas circunstâncias, fossem substituídas legalmente e sem violência: a Carta Magna (ou Constituição).
Em uma democracia, são as leis que regem o destino de uma nação e não os homens. Zelaya foi eleito, isso é certo. Mas também violou a Constituição de sua nação. Logo, é importante que se analise a situação fora da dicotomia “bem versus mal” ou “pobre versus rico” que governos populistas adoram implantar.
A intervenção brasileira em Honduras viola as leis internacionais ao permitir que Zelaya fique abrigado na embaixada brasileira sem uma definição de status clara e que use uma instituição que é, por natureza, neutra e imparcial, como patamar político para incentivar o conflito e a violência em uma nação que já o tinha considerado “carta fora do baralho”.
Em Honduras, sindicatos, igrejas (católica e evangélica), a ordem dos advogados de lá, o tribunal eleitoral e o constitucional, a maioria dos partidos políticos e toda a sociedade civil o afastaram de bom grado e o consideram um elemento pernicioso à nação.
A posição do Brasil é tão questionável que a própria ONU recusou-se a proferir as declarações fortes que o governo brasileiro desejava e limitou-se a afirmar, dentro do direito internacional, a inviolabilidade da embaixada brasileira. Qual a reação de Lula ao não encontrar eco nesse organismo internacional para suas sandices? Afirmar que a ONU está “falida”. Algo bem estranho para alguém que deseja tanto ter um assento no Conselho de Segurança.
Por parte de nosso povo, seguem as comparações errôneas entre o que acontece aqui e a realidade hondurenha. Mencionam a fácil mudança de normas constitucionais que experimentamos no Brasil como base para o “absurdo” de Zelaya ser impedido de fazer uma consulta popular em Honduras.
Ao nosso povo, falta o entendimento de que leis constitucionais não devem ser mudadas ao bel prazer de quem governa. Ao nosso povo, falta o costume de ser regido por pessoas que levam as leis de seu país a sério e que não coloquem suas próprias figuras acima da normalidade constitucional de suas nações. Ao nosso povo, causa estranheza viver sob um regime que tenha leis estáveis e leis que sempre “pegam”.
Para muitos de nós, constituições como a americana e a inglesa são aberrações estranhas em sua quase imutabilidade. No entanto, cabe entender que uma nação sem leis constitucionais duras e de difícil modificação se transformará em algo como uma monarquia absolutista ou um regime onde uma maioria momentânea pode fazer o que quiser com as leis do país (alguma semelhança?) e, nesse caso, o maior prejudicado será o próprio povo.
Um povo sem conhecimentos políticos, sem entendimento e instrução de como agem e se constroem sistemas de governo não tem a capacidade para formar uma opinião e para analisar de forma fria os acontecimentos que se desenrolam diante de seus olhos. O abandono político, a baixa instrução, a alienação e a incapacidade de compreender a ligação entre causa e efeito das ações políticas praticadas por quem quer que seja mostram a fragilidade política de nosso povo. E isso é a pior tragédia que nossa nação experimenta.
Nota do Editor: Conclui-se, portanto, que Zelaya merece apenas total solidariedade no que tange o modo como foi retirado do poder, mas não sua restituição no cargo pois, como bem explicitado no texto acima, perdeu seu cargo ao tentar perpetuar-se no poder, por conta dos ditames normativos da Constituição hondurenha.
(Original aqui.)