As redes sociais e cidadania
O futuro é outro país
Apesar de sua população gigantesca, o Facebook não é bem um estado soberano, mas está começando a olhar e agir como um
Alguns meses após se tornar primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron queria algumas dicas de alguém que poderia lhe dizer como se sentia ao ser responsável por muitos milhões de pessoas, e por ter de responder às mesmas: pessoas que esperavam coisas dele, apesar de que na maioria dos casos ele nunca iria apertar suas mãos.
Ele não se voltou para outro chefe de governo, mas para… Mark Zuckerberg, fundador e chefe do Facebook, a rede social de sucesso fenomenal (o Facebook anunciou, em 21 de julho de 2010, que tinha 500 milhões de usuários, sendo que tinha 150 milhões no início de 2009.) Em um chat de vídeo bem divulgado neste mês, os dois homens trocaram ideias sobre as maneiras das redes ajudarem os governos. Era apenas um líder político que procurava um pouco de ajuda do setor privado ou foi este encontro mais parecido com a diplomacia, uma comparação de notas entre os chefes das duas grandes nações?
De certa forma, pode parecer absurdo chamar o Facebook de estado e Zuckerberg de seu governante. O Facebook não tem território para defender, não tem policiais para fazer cumprir a lei e a ordem, não tem cidadãos unidos por um claro conjunto de direitos, obrigações e sinais culturais. Comparado com a cidadania de um país, a adesão é fácil de adquirir e de se renunciar. Nem o chefe do Facebook e seus executivos dependem diretamente da aprovação de um “eleitorado” que possa retirá-los do cargo. Tecnicamente, as únicas pessoas a quem os líderes do Facebook prestam contas são os acionistas.
Mas muitos analistas da internet realmente detectam características de um estado no Facebook. “[O Facebook] é um dispositivo que permite que as pessoas se reúnam e controlem seu próprio destino, do mesmo jeito que fazem em um estado-nação”, diz David Post, professor de direito na Universidade de Temple. Se isso soa como uma descrição lisonjeira dos “grupos” do Facebook (muitas vezes reunindo pessoas com manias extravagantes e aversões), então vale a pena recordar a definição clássica do moderno Estado-nação. Como o cientista político Benedict Anderson disse, tais entidades políticas são “comunidades imaginadas”, em que cada pessoa sente uma ligação com os milhões de concidadãos anônimos. Nos séculos passados, as pessoas olhavam de baixo para cima, para os reis ou bispos, mas na era da alfabetização em massa e da impressão em línguas vernáculas, Anderson alegou que são muito mais importantes os laços políticos horizontais, e não verticais.
Portanto, se os jornais podem criar novas unidades sociais e políticas, pelas quais as pessoas trabalham e morrem, talvez as mais recentes formas de comunicação possam fazer o mesmo. Em seu livro de 2006 “Código: Versão 2.0”, um estudioso da área jurídica, Lawrence Lessig, notou que as comunidades online foram transcendendo os limites do estado convencional, e previu que os membros dessas comunidades considerariam “difícil ficarem neutros neste espaço internacional”.
Para muitos, essa previsão ainda parece fantasia cibernética. Mas a ascensão do Facebook, pelo menos, dá o que pensar. Se fosse uma nação física, hoje seria o terceiro país mais populoso do planeta. Zuckerberg está confiante de que haverá um bilhão de usuários em poucos anos. O Facebook é sem precedentes não apenas na sua dimensão, mas também na sua capacidade de misturar os limites entre os mundos real e virtual. Alguns anos atrás, as comunidades on-line eram compostas apenas por jogos de fantasia ocupados por pequenos grupos “nerds”. Mas como a tecnologia tornou possível a criação de grandes espaços virtuais, como o Second Life ou World of Warcraft, um jogo online com milhões de jogadores, então a sobreposição entre o ciberespaço e a existência humana real começou a crescer.
Do ponto de vista dos usuários, o Facebook pode parecer um pouco como um sistema político liberal: um espaço em que as pessoas emitem opiniões, buscam apoio e corrigem erros. E do ponto de vista do alto? O Facebook é um lugar que precisa de governantes, assim como um país? Brad Burnham, da Union Square Ventures, uma firma de capital de risco, argumentou que a resposta é sim. No espírito da política liberal, ele acha que o trabalho dos gestores do Facebook é criar um espaço em que cidadãos e empresas se sintam confortáveis a investir seu tempo e dinheiro para criar coisas.
O Facebook certamente tentou orientar o desenvolvimento de sua economia online quase da mesma forma que os governos procuram influenciar a atividade econômica no mundo real por meio da política fiscal e monetária. No início deste ano a empresa disse que queria aplicações rodando em sua plataforma de forma a aceitar sua moeda virtual, conhecido como “Créditos Facebook”. Alegou que era do interesse dos usuários do Facebook, que já não teria de usar de forma online moedas diferentes para aplicações diferentes. Mas isso enfureceu alguns programadores, que se ressentem com o fato de que o Facebook fica com cerca de 30% sobre cada transação envolvendo créditos.
Como qualquer elite governante que sabe que depende do consentimento dos governados, o Facebook busca o conselho de seus membros sobre questões de governança. Ele permite aos usuários votar propostas de alteração dos termos de serviço e mantém fóruns online para solicitar opiniões sobre as políticas futuras. E, como qualquer político bem-intencionado, o Facebook faz asneiras: os seus membros ficaram furiosos no início deste ano por mudanças na sua política de privacidade que tornou públicos dados previamente privados. Se Zuckerberg alcançar seu objetivo de criar a “utilidade social” mais popular do mundo, ele pode precisar dar aos usuários uma forma mais formal de se expressar – vale dizer, algo como uma Constituição.
A experiência mostra que as redes que negligenciam a governança pagam um preço. Vejamos o MySpace, que já foi muito maior do que o Facebook: o seu crescimento estagnou alguns anos atrás, quando os seus gestores deixaram o site se tornar demasiado desordenado. Há uma linha tênue, ao que parece, entre a liberdade que estimula a criatividade e a liberdade de se fazer absolutamente o que se queira.
Pelo menos por enquanto, os governos ainda têm algumas cartas na manga, pois eles podem simplesmente tirar o fio da tomada. O Facebook é bloqueado na China, e em maio foi temporariamente cortado no Paquistão, em uma decisão judicial sobre uma página que anunciava um concurso para desenhar o profeta Maomé. Talvez o Facebook seja menos uma nação do que um gigantesco movimento transnacional comparável à Cruz Vermelha ou à Igreja Católica – que tem um objetivo primordial e pode falar com os governos quase em igualdade de condições.
Como os líderes do Facebook o apresentam, sua missão é apenas a de tornar o mundo mais aberto e mais conectado, e aproximar a “aldeia global”, prevista em 1960 por Marshall McLuhan, um futurologista que amam. Seus argumentos como aceleradores deste fato têm alguma força. O sucesso do Facebook “levanta uma série de questões que pensávamos estar a uma geração de distância”, diz Edward Castronova, professor na Universidade de Indiana. Um deles é o grau de impacto das economias e moedas virtuais nas economias e moedas reais. O governo chinês tem reprimido repetidamente moedas virtuais. No ano passado, proibiu a sua utilização para comprar bens e serviços no mundo real, em parte devido a preocupações com o impacto sobre o yuan.
O Facebook também pode influenciar a forma como os governos prestam serviços e competir para fornecê-los. Por exemplo, a empresa permite que os membros usem seus perfis no Facebook para entrar em outros sites na internet, criando uma espécie de passaporte. Uma ferramenta semelhante poderia ajudar as pessoas que não estão em suas residências a terem acesso aos serviços públicos. E também há a questão de como as redes sociais vão mudar a política. Claramente, elas ajudam a estimular o debate e a ação, e deixam para os governos as propostas e previsões. Quando Cameron e Zuckerberg se encontraram, o tema principal foi a forma de obter novas ideias para o corte de gastos públicos.
Como muitas relações diplomáticas, a deles era inconstante. Dias depois do bate-papo, o Facebook foi censurado pelo governo britânico por permitir homenagens a um assassino. A empresa se recusou a retirar a página do ar, que foi posteriormente retirada pelo seu criador. “O Facebook é um lugar onde as pessoas podem expressar as suas opiniões e discutir as coisas de uma forma aberta, como eles podem fazer em muitos outros lugares”, foi a declaração oficial. Zuckerberg pode não ter território físico, mas ele estava determinado a permanecer firme em seu próprio território virtual.
(Original em inglês aqui. Tradução e revisão feitas pelo autor do blog.)