O que fazer com os nanicos?
De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Nada melhor que considerar casos concretos para tornar mais claras algumas questões abstratas. Eles nos ajudam a entendê-las, trazendo-as para nossa experiência cotidiana.
Nossa legislação eleitoral é criticada por muitas pessoas e já existe quase um consenso de que é necessário mudá-la em profundidade. Seria ótimo se o presidente (mais provavelmente, a presidente) que estamos agora elegendo decidisse encampar a ideia, assumindo a iniciativa de provocar o Congresso para que não tardasse a discuti-la. É no começo dos governos, quando é máxima a força do Planalto, que essas coisas devem ser feitas.
Os problemas que ela apresenta são conhecidos por todos, mas é sempre surpreendente vê-los, na prática, outra vez. Alguns ficam especialmente visíveis apenas nesta época em que estamos, de reta final.
Um deles é o modo como ela trata os nanicos, nome que nosso vocabulário político adotou para designar os candidatos dos micro-partidos. Sem desmerecer nenhum deles, são, muitas vezes, representantes de partidos que só existem em nichos minúsculos da opinião pública, com base social insignificante.
Há países, como os Estados Unidos, com leis que permitem que partidos assim lancem candidatos a qualquer cargo, incluindo o de presidente da República. Outros, a maioria, são mais rigorosos. Os partidos precisam percorrer um caminho longo, com crescente desempenho, para funcionar normalmente e disputar todos os cargos.
Se o Judiciário não tivesse derrubado a legislação emanada do Congresso relativa à cláusula de barreira, não teríamos, já nestas eleições, muitas das legendas e alguns dos milhares de candidatos que disputam os diversos cargos. Como, no entanto, ficou consagrado o vale-tudo a respeito da representatividade partidária, estamos, de novo, às voltas com os nanicos.
Ficando apenas nas eleições presidenciais, temos os 3 “grandes” — Dilma, Serra e Marina – e mais 4 de partidos de extrema esquerda, dos quais o único com alguma performance apreciável é o PSOL. PSTU, PCO e PCB não têm sustentação relevante na sociedade. Falam para si mesmos e ninguém os ouve. Parece que se consideram “candidatos de atitude”, cumprindo um papel auto-atribuído de “vanguarda ideológica” (seja lá o que imaginam que isso seja).
Dois outros candidatos não se justificam em termos ideológicos. São figuras inexpressivas e algo cômicas, que reaparecem a cada eleição sem nenhuma finalidade, falando insignificâncias.
Faz parte da democracia a liberdade para que qualquer um possa defender suas ideias, mesmo que mais ninguém queira conhecê-las. Até o mais bizarro dos candidatos deve poder existir.
O que não se compreende é que tenhamos adotado uma legislação que permite a todos o acesso à propaganda eleitoral nos meios de comunicação de massa, obrigando o cidadão a vê-los quando se informa a respeito das eleições. Sua presença é antipedagógica e só faz aumentar a distância entre eleitores e sistema político.
Nossa legislação impede que o jornalismo das emissoras de televisão faça o que deveria fazer: dar mais espaço ao que é mais importante, àquilo que interessa. Em uma limitada e questionável interpretação do princípio da isonomia, exige que cada candidato (excluídos apenas os mais irrelevantes) tenha exatamente o mesmo tempo de cobertura.
Com isso, ao invés de aprofundar a cobertura das candidaturas que de fato estão na disputa, elas ficam restritas a um enfadonho acompanhamento do “dia a dia” dos candidatos”. Sem qualquer consequência, diga-se de passagem. Marina e Plínio estavam, em começos de agosto (quando se tornaram presença quase cotidiana nos telejornais de todas as emissoras), do mesmo tamanho que estão hoje: de modesto a nenhum.
Não é difícil dizer o que precisa ser feito. Na propaganda gratuita, simplesmente restringir o acesso aos candidatos de partidos representativos, dentro de critérios razoáveis. No jornalismo, adotar o que, perante situação semelhante, se tornou regra em alguns países. Voltando a falar nos Estados Unidos, lá os veículos podem invocar o princípio do “interesse jornalístico legítimo” para orientar sua cobertura das eleições. Os insatisfeitos podem recorrer à Justiça, mas, raramente, o fazem.
(Original aqui.)