O Globo
Assim como propor reforma política se converteu no mais entoado mantra quando o tema é o aperfeiçoamento das instituições, ficou estabelecido que nada ou pouco será feito, embora toda rodada de discussões sobre o assunto seja instalada em meio a grandes ambições.
O rumo — ou a falta dele — que toma a comissão constituída no Senado para chegar a um esboço de reforma é mais uma prova disso. São tantas as divergências entre as diversas forças político-partidárias que é quase impossível imaginar a formação de algum consenso que viabilize a aprovação no Congresso de mudanças importantes na legislação que rege a vida de partidos, políticos e de eleições. Ainda bem, para o país.
Por ter uma pauta tão extensa quanto controvertida, a reforma política, como se insiste fazer no Brasil, com alterações quase estruturais, pode patrocinar avanços, mas também retrocessos graves. Um exemplo é a aprovação do fim das coligações nos pleitos proporcionais — deputados e vereadores.
É por meio deste perverso mecanismo que o eleitor elege quem não conhece, e o eleito recebe votos que não seriam dele, caso, na frente da urna, o eleitor soubesse a quem ajudaria ao apertar o botão.
Parcela ponderável das Casas legislativas é constituída desta forma, fator de degradação da qualidade da representação política.
Mas, se derruba esta excrescência, a comissão do Senado dá sinal verde para o uso da lista fechada nas eleições proporcionais. Ora, a fórmula é eficiente apenas para aumentar o poder dos caciques partidários, dos donos das máquinas de cada legenda.
Devido à coligação de partidos na escolha de deputados e vereadores, o eleitor é ludibriado por não saber ao certo aonde vai seu voto; já na lista fechada, ele tem o direito de escolher seus representantes cassado pelos caciques partidários.
No tiroteio no escuro em que se transforma a comissão da reforma política, pelo menos ficou para trás a proposta do “distritão”. À primeira vista tentador, por acabar com as coligações nos pleitos proporcionais, este sistema, ao privilegiar exclusivamente os puxadores de votos — demagogos, populistas ou “celebridades” e “famosos” sem preparo —, desidrataria de vez os partidos, já fragilizados e com imagem esmaecida.
Mesmo o PT, considerado legenda autêntica, não resistiu ao seu tempo de poder: está nivelado a legendas clientelistas, fisiológicas e com militantes envolvidos em casos de corrupção.
Outro equívoco cometido na comissão é decretar o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos, em troca de um mandato único de cinco anos. Ora, o atual sistema — dois mandatos consecutivos de quatro anos — demonstrou virtudes nas Eras FH e Lula.
Se a população está satisfeita, dobra o mandato do político. Caso contrário, retira-o do cargo antes que produza mais estragos. O que aconteceria em cinco anos consecutivos de poder. O caminho errático da comissão do Senado vem comprovar a inutilidade — mais que isso, o perigo — de uma ampla reforma política.
Que as lideranças no Congresso um dia concluam o óbvio: a política brasileira precisa de aperfeiçoamentos tópicos, para retirar os fichas sujas de uma vez de cena, firmar o princípio da fidelidade partidária e, por meio de uma razoável cláusula de barreira, acabar com a pulverização de legendas, pano de fundo de tenebrosas barganhas em época de eleição e de votação-chave no Congresso.
(Original aqui.)
Obs.: o editor deste blog é defensor ferrenho da lista fechada.