O texto abaixo parte do princípio de que as pessoas não vão para as ruas no momento político atual porque não têm muito a ganhar diretamente com as mudanças que teoricamente viriam como consequência das manifestações. E vocês, o que acham disso? Concordam ou discordam da ideia? E por que? Vamos fazer um debate sobre este tema? Aguardo sugestões.
Em 1983, o regime militar inaugurado no país 19 anos antes dava claros sinais de esgotamento. A oposição crescera no Congresso e governava alguns Estados importantes. A inflação disparava corroendo os salários. Fecharia o ano alcançando a casa dos 239%.
Foi quando a oposição teve a ideia de deflagrar uma campanha pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. Desde o golpe militar que o presidente era eleito pelo Congresso e por uma pequena fatia de deputados estaduais.
O primeiro comício pelas “Diretas, Já!” ocorreu em Abreu e Lima, município do Grande Recife, no dia 31 de março daquele ano. Não deixou registro sobre o número de participantes.
O segundo ocorreu na Praça Cívica de Goiânia no dia 15 de junho. Eu estava lá.
Goiás era governado por Iris Rezende, do PMDB. Que mobilizou a máquina pública e reuniu cinco mil pessoas para ouvirem um discurso inflamado do deputado Ulysses Guimarães, líder nacional da oposição.
No dia 27 de novembro, em São Paulo, sob o comando do governador Franco Montoro (PMDB), 15 mil pessoas se reuniram na Praça da Sé pedindo “Diretas, Já!” Novamente a máquina pública foi acionada para garantir o sucesso do comício.
O governador Leonel Brizola (PDT), do Rio de Janeiro, decretou ponto facultativo nas repartições, fechou as escolas, pôs para circular transporte gratuito e ajudou a reunir um milhão de pessoas diante da Igreja da Candelária no dia 10 de abril de 1984.
Foi o maior comício das “Diretas, Já!”, que dali a seis dias foi superado por outro comício em São Paulo que atraiu um milhão e quinhentas mil pessoas.
A emenda que restabelecia as “Diretas, Já” foi derrotada no Congresso na noite de 25 de abril. Obteve 298 votos a favor, 65 contra e três abstenções. Como 112 deputados preferiram fugir do plenário da Câmara, a emenda acabou arquivada por não ter alcançado o número mínimo de votos para sua aprovação.
Ao longo de sua história, em poucas ocasiões o país testemunhou manifestações políticas de grande porte que não tenham dependido de mobilização da máquina pública.
O cortejo que levou o corpo do presidente Getúlio Vargas do Palácio do Catete ao aeroporto Santos Dumont, no Rio, foi uma dessas ocasiões. A passeata de um milhão de pessoas no Rio contra a ditadura, em 1968, foi outra.
Penso que isso ajuda a compreender porque os atuais e esporádicos atos contra a corrupção têm feito tão pouco sucesso de público.
Não há governos, partidos, movimentos sociais organizados por trás deles. Também não há uma ditadura a ser derrubada. Nem a ameaça de vermos nossos bolsos esvaziados.
Há somente o sentimento difuso de que a corrupção se alastra e de que pouco se faz para combatê-la de verdade. Isso não manda ninguém para as ruas – no máximo para os computadores.
(Original aqui.)
Belíssimo texto, concordo que dificilmente essas manifestações atuais chegarão a um número tão expressivo quantos a casa dos “milhões” de pessoas reunida em um único lugar.
Porém não concordo com a parte final do seu texto, pois penso que há sim, um sentimento maior por trás disso tudo; e as pessoas que realmente estão começando a entender o que verdadeiramente há por trás desse véu na politicagem atual, estão começando a se importa e a reconhecer que as coisas não estão sendo como deveria ser.
Concordo.
O brasileiro é contumaz quando trata-se de bem comum, corriqueiros: ”ah, isso não dá em nada”. Ou ainda, os mais pessimistas: ”os políticos ficam é rindo de nós, agindo como bestas…” E assim por diante. É assim que a maioria da população a-política age.
Acredito que a Lei de Gérson é a que ”pegou” e alojou-se no inconsciente do povo brasileiro, de tal modo que este só faz algo quando recebe alguma retribuição ou é agraciado com uma vantagem. Daí, talvez, esse caráter omisso por parte de quem compõe a sociedade, claro que tenho perspectivas otimistas para esse país, entretanto, não a curto prazo. Para ganharmos identidade e formarmos cidadãos politizados com o olhar mais crítico diante os comportamentos dos políticos cujos mandatos são apenas um alongamento do braço do cidadão, aí sim, teremos um país mais digno e consciente.
Pode ser que não tenhamos milhões manifestando juntos aqui no Brasil, mas se cada um “lançar uma sementinha” no próximo, talvez mudanças aconteçam não externamente, em manifestações, por exemplo, mas onde realmente importa — nas eleições.