Com pouco mais de 150 pessoas no Rio e umas 30 em Brasília, as marchas contra a corrupção programadas para o feriado de 15 de novembro foram um fracasso. Culparam a chuva. Não é bem assim.
Combinando o grau de educação e de conscientização política com a qualidade do fluxo de informação e o bom ambiente econômico, não existe terreno fértil para que a indignação com a corrupção germine grandes manifestações.
Além do mais, as ideias já não incendeiam as almas como antigamente. Não são capazes, como antes, de mobilizar multidões. Conforme disse Neal Gabler, em artigo publicado no The New York Times, “as ideias simplesmente não são o que costumam ser”.
Ideias podiam criar celebridades, como Albert Einstein e Carl Sagan, entre muitos outros nomes. Hoje, nem tanto.
A mobilização das pessoas se dá a partir de experiências vividas na própria pele. Como no caso da Primavera Árabe, deflagrada por um vendedor de rua da Tunísia. Foi um basta a décadas de opressão.
Para Gabler, a desvalorização das ideias está ligada à valorização do conhecimento que tem utilidade imediata. Nos tempos atuais, o mercado quer o conhecimento rápido e aplicável.
Ironicamente, o próprio mercado, para se expandir e se renovar, depende de ideias e de inovação. Sem elas, tudo vai ficando uma enorme mesmice.
No Brasil de agora, colhido pelos ventos da globalização, as ideias também se desvalorizaram em detrimento do conhecimento e da informação.
Mas não apenas por conta da priorização do imediatismo, que transforma, por exemplo, os vestibulares e as provas em gincana de conhecimento inútil, ao invés de fomentar o pensamento crítico e reflexivo.
O que contribui ainda mais para a desvalorização das ideias no Brasil? Tenho algumas pistas. Uma delas é que o canal por onde elas transitam é enviesado e tendente a expurgar o que não esteja dentro de certo padrão ideológico.
O segundo obstáculo é o pragmatismo fisiológico, que faz com que os interesses se sobreponham aos ideais e o debate político se realize sem sonhos ou utopias. Com as ideias e a ideologia sendo usadas para justificar movimentos táticos e a luta do poder pelo poder.
Assim, entre os aspectos interesseiros e o viés ideológico, o Brasil ainda é um país pobre de ideias.
Como combater a escassez de ideias? Exemplos não faltam. A Google mantém um laboratório ultrassecreto onde são geradas inúmeras ideias. Muitas delas são estapafúrdias, mas, de repente, podem ter alguma utilização prática.
Estimular a produção de ideias é importante como planejamento estratégico e fonte primária da inovação. É um papel que as instituições públicas e privadas deveriam assumir: gerar ideias e ter a humildade de transitar de fracasso em fracasso até criar uma de sucesso.
É evidente que a informação e o conhecimento já empacotados também são úteis e necessários no mundo de hoje. Mas não bastam.
O que vai nos levar adiante não é apenas saber o que os outros já sabem. Mas, sobretudo, saber o que ninguém sabe. E isso só é possível a partir da elaboração de ideias que levem à inovação.
Murillo de Aragão é cientista político
(Original aqui.)