À primeira vista, considerando-se o título deste artigo, talvez alguns “torçam o nariz”, acreditando que o tema “nada tem a ver com política”. Mas partindo-se do pressuposto de que todas as relações sociais podem, em tese, ser chamadas de “políticas”, acredito que este artigo tem sim tudo a ver com o tema do blog – ainda mais se considerarmos que a política, para ser alterada, efetivamente precisa da participação de cada um, em um trabalho cotidiano e constante, de “formiguinha”. E isto só será feito quando nós sairmos do nosso estado de letargia, entendida como “o mundinho de cada um”, e passarmos a olhar tudo como um todo. É como diz o texto:
Precisamos liberar esta dimensão em nós para entrarmos em sintonia com tudo o que nos cerca e sentirmo-nos em paz.
A categoria sustentabilidade, tomada em seu sentido amplo e não apenas reduzida ao desenvolvimento, significa toda a ação que visa a manter os seres na existência porque têm direito de coexistir conosco e só a partir desta convivência utilizamos com sobriedade e respeito uma porção deles para atender nossas necessidades e preservando-os também para as futuras gerações.
Dentro deste conceito cabe também o universo. Sabemos hoje pela nova cosmologia que somos feitos de pó das estrelas e somos sustentados e atravessados pela inominável Energia de Fundo que tudo alimenta e que se desdobra nas quatro forças – a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear fraca e forte – que, agindo sempre juntas, nos mantém assim como somos.
Como seres conscientes e inteligentes temos o nosso lugar e nossa função dentro do processo cosmogênico. Se não somos o centro de tudo, seguramente, somos uma daquelas pontas avançadas pelas quais o universo se volta sobre si mesmo, vale dizer, se torna consciente.
O princípio andrópico fraco nos concede dizer que para sermos o que somos, todos as energias e processos da evolução se organizaram de forma tão articulada e sutil que permitiram o nosso surgimento, caso contrário não estaria aqui escrevendo agora.
Através de nós, o universo e a Terra se veem e se contemplam a si mesmos. A vista surgiu há 600 milhões de anos. Até lá a Terra era cega. O céu profundo e estrelado, as cataratas do Iguaçu, onde escrevo agora, o verdor das florestas, aqui ao lado, não podiam ser vistos. Pela nossa vista a Terra e o universo podem ver toda essa indescritível beleza.
Os povos originários, dos andinos aos samis do Ártico, se sentiam unidos ao universo, como irmãos e irmãs das estrelas, formando uma grande família cósmica. Nós perdemos esse sentimento de mútua pertença.
Sentiam que forças cósmicas equilibravam o curso de todos os seres e atuavam em sua interioridade. Viver consoante estas energias universais era levar uma vida sustentável, serena e cheia de sentido.
Sabemos pela física quântica que a consciência e o mundo material estão conectados e a maneira que um cientista escolhe para fazer a sua observação, afeta o objeto observado. Observador e objeto observado se encontram indissoluvelmente ligados.
Dai que a inclusão da consciência, nas teorias científicas e na própria realidade do cosmos, é um dado já assimilado por grande parte da comunidade científica. Formamos, efetivamente, um todo complexo e diversificado. São conhecidas as figuras dos xamãs, tão presentes no mundo antigo e que hoje estão voltando com renovado vigor como o tem mostrado o físico quântico J. Drouot em se livro O Xamã, o Físico e o Místico (Record 2002) que tive a honra de prefaciar.
O xamã vive um estado de consciência singular que o faz entrar em contato íntimo com as energias cósmicas. Ele entende o chamados das montanhas, dos lagos, das florestas, dos animais e, das estrelas e dos outros. Sabe conduzir tais energias para curar e harmonizar o ser humano com o todo.
Em cada um de nós existe a dimensão xamânica, escondida dentro de nossa interioridade. Essa energia xamânica nos faz silenciar diante da grandeza do mar, vibrar diante do olhar da pessoa amada e estremecer face a um recém nascido.
Precisamos liberar esta dimensão em nós para entrarmos em sintonia com tudo o que nos cerca e sentirmo-nos em paz.
Talvez nossa vontade de viajar com as naves espaciais na direção do espaço cósmico, não seja o desejo arquetípico de buscar nossas origens estelares e o ímpeto de regressar ao lugar de nosso nascimento? Vários astronautas expressaram semelhantes ideias.
Pertence à noção compreensiva de sustentabilidade, esta nossa busca incontida de equilíbrio com o todo e de sentirmo-nos parte do universo. A sustentabilidade comporta valorizar este capital humano e espiritual cujo efeito é produzir em nós respeito, sentido de sacralidade diante de todas as realidades, valores que alimentam a ecologia profunda e que nos ajudam a respeitar e a viver em sintonia com a Mãe Terra.
Hoje faz-se urgente essa atitude, para moderar a força destrutiva que nas últimas décadas tomou conta de nós.
Leonardo Boff é teólogo e filósofo
(Original aqui.)