A Europa ontem estava no centro do mundo financeiro e climático. Sob o peso da crise sistêmica, 26 países fechavam acordo em Bruxelas, enfrentando bloqueio do Reino Unido. Em Durban, a Europa indicou o caminho para a saída do impasse sobre as mudanças climáticas. Se conseguir se salvar, garante a economia mundial; se for seguida em Durban, garante o futuro.
O Brasil está do lado certo.
Não há caminho fácil para nenhum dos dois desafios com os quais o mundo se defronta, mas o Velho Continente é — como no século XIX — a peça chave no xadrez global.
Na economia, a grande catástrofe começou nos EUA, em 2008, mas contaminou a Europa. Nos últimos meses os países da União Europeia se debateram em idas e vindas, impasses e ameaças fatais atrás de uma saída.
Na economia, a Europa foi nos últimos meses o centro da insensatez. No clima, só a Europa segura Kioto.
Os maiores emissores, Estados Unidos e China, estão fora. Grandes emissores, como Brasil e Índia, também não estão no Protocolo. Canadá, Japão e Rússia ameaçam sair.
A Europa apontou o caminho: renovar Kioto, mas ao mesmo tempo consolidar em Durban avanços conseguidos nas reuniões de Copenhague e Cancún e, em seguida, negociar um acordo de metas para todos os grandes emissores de gases de efeito estufa até 2015 que entre em vigor em 2020. No clima, a Europa tem sido a voz da sensatez.
O Brasil a ouviu e anunciou que aceita metas. Um passo fundamental que só nos ajuda. O Brasil da Rio-92 foi líder ao desenvolver mecanismos de solução do problema do clima; desde a reunião de Copenhague, voltou a ter papel importante.
De lá para cá, aprovou internamente metas de redução das emissões, que atingirá facilmente se caminhar para o desmatamento zero. Os EUA também deram o mesmo sinal na quinta-feira de que poderão aceitar o novo acordo global rascunhado pela União Europeia.
A cúpula da União Europeia (UE) teve nas últimas horas longas reuniões e lances dramáticos.
França e Alemanha nos últimos meses discordaram na estratégia de enfrentar a crise. A França querendo soluções mais rápidas diante do agravamento da crise, com maior utilização dos instrumentos de financiamento como os fundos de estabilização e o Banco Central Europeu. A Alemanha querendo mecanismos fiscais mais rigorosos e mais amplos, com obrigações para todos.
Os dois acabaram concordando em um relançamento do acordo da UE com novas regras de controle de gastos, mais recursos para resgate dos países, formas de exigir cumprimento das obrigações fiscais e melhor regulação bancária.
O Reino Unido bloqueou tudo. Foi seguido por três recalcitrantes: Suécia, República Tcheca e Hungria. Depois, os três voltaram atrás deixando os ingleses isolados. Alemanha e França conseguiram costurar um acordo com 26 dos 27 países da UE.
Isso afasta o fantasma que ronda a Europa? Não, mas é o começo de uma solução.
Para quem acompanhou as crises brasileiras é curioso ver como as soluções se parecem. Ontem, a Alemanha anunciou que permitirá que os bancos transfiram ativos podres para um fundo de resgate dos bancos, uma espécie de “banco ruim”. Exatamente como houve aqui no Proer.
Vários analistas estrangeiros têm sugerido que seja feito um saneamento dos países com a ajuda da União, para depois amarrar tudo numa espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal, e citam o Brasil como exemplo pelo que foi feito aqui no final dos anos 1990 até 2001, no governo Fernando Henrique.
Será muito mais difícil lá porque aqui eram estados de um país e lá são países de uma união econômica e monetária.
Houve avanços na reunião de Bruxelas. Os 26 países que aceitaram a proposta franco-germânica concordaram em antecipar a vigência do Mecanismo Europeu de Estabilidade em um ano. Ele tem um fundo de resgate de 500 bilhões. Atuaria junto com o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, um mecanismo temporário que tem 440 bilhões.
Além disso, vão aumentar os recursos do FMI para que ele tenha presença mais ativa na solução da crise. Com esse desenho, evita-se a solução desesperada que foi pensada que era o Banco Central Europeu comprar de forma ilimitada dívidas dos países. Isso monetizaria a dívida, não exigiria metas fiscais dos governos, e desrespeitaria as normas do BCE que não é emprestador de última instância.
Em Durban, também há idas e vindas e noites viradas, como em Bruxelas.
A dinamarquesa Connie Hedegaard, comissária da União Europeia para Mudanças Climáticas, comemorou a posição do Brasil de aceitar um acordo de metas legalmente vinculantes. O Brasil pode cumprir o que prometeu. O governo brasileiro já transformou em lei o compromisso que o então presidente Lula anunciou em Copenhague, em 2009.
Ontem, a África do Sul também aceitou metas. Do influente grupo conhecido pela sigla Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), dois ainda não aceitaram: China e Índia. Sobre eles está a pressão agora.
O fundamental é que também os EUA confirmem que seguirão na direção da proposta europeia. Todos esperavam ontem em Durban por mais uma longa noite de negociação.
Seja em Bruxelas, seja em Durban, a Europa não dorme e mantém o mundo em vigília na luta por um amanhecer na economia e no clima.
(Original aqui.)