No sistema tripartite concebido por Montesquieu, no século XVIII, o Judiciário ocupa posição privilegiada, pois é a instância que julga os outros dois poderes – Executivo e Legislativo – e os cidadãos.
Dito isso, é inconcebível que se sinta acima dos deveres de transparência e probidade que cobra dos demais. Era, no entanto, essa a impressão que vinha passando ao público, ao reagir às investigações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra magistrados sob suspeita.
Argumentava-se que o CNJ, além de atentar contra a soberania do Judiciário, violava preceitos federativos, ao imiscuir-se em investigações ainda em curso, ou mesmo nem iniciadas, nas corregedorias estaduais.
O CNJ, porém, tem atribuições para agir junto ao Judiciário como um todo, e surgiu exatamente para transpor as barreiras que no plano estadual se criam contra essas investigações, semeando a impunidade e submetendo aquele poder a injunções políticas.
Também o argumento de violação da soberania do poder é insustentável – e felizmente foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de quinta-feira passada. Ora, o CNJ jamais pretendeu influir sobre as sentenças dos juízes. Limitou-se a investigar condutas, de teor ilegal, fartamente noticiadas pela imprensa nos últimos tempos.
Jornais e telejornais têm noticiado quase diariamente escândalos de malversação de dinheiro público pelos administradores dos tribunais ou de recebimento de propinas.
As entidades representativas dos magistrados pretendiam que esses casos continuassem restritos às investigações das corregedorias estaduais, sujeitas a pressões locais e integradas por membros das próprias cortes sob investigação, desprezando o velho preceito de que ninguém é juiz em causa própria. Ou seja, queriam que tudo continuasse como sempre, protegido pelo selo da soberania.
Quem primeiro pôs a boca no trombone – ou pelo menos o fez com maior veemência – foi a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon, corregedora do CNJ. Sustentou, com a contundência que a situação lhe exigiu, a tese afinal vitoriosa no STF: o CNJ cumpre suas finalidades ao investigar magistrados, independentemente de haver ou não investigações similares no âmbito das corregedorias estaduais.
O placar apertado da votação no STF, 6 a 5, indica que as resistências não cessaram e que os ministros estão divididos. Mas a instituição Justiça sai vitoriosa e em melhores condições de enfrentar causas de grande teor controverso, como o Mensalão, previsto para entrar na pauta do STF ainda neste semestre. Se o resultado do julgamento fosse outro, e o CNJ impedido de cumprir sua missão, não há dúvida de que isso seria politicamente explorado pelos mensaleiros.
Afinal, um poder que evita a transparência – e seria o caso – não estaria em condições de lançar luzes sobre os subterrâneos alheios, por mais tenebrosos. Vale aí lembrar outro ditado: quem tem telhado de vidro não atira pedra no alheio. Seria o caso. Não é mais, felizmente.
(Original aquí.)