Puxa, já passei de meio século vendo isso e nem preciso ser doutora para perceber que há algo errado com a gente, quando continuamos fazendo igual, errando e pisando em cima, sujando a sola do sapato. Já vimos coisas assim nos tempos escuros, quando eles precisavam encobrir mortes e atentados à liberdade. Agora os mesmos que deveriam lembrar disso também querem calar a massa, enevoar seus olhos, acenando com bondades que logo podem se voltar contra os feiticeiros e enfeitiçados.
Qual será a de hoje? Todo dia de manhã, logo ao acordar, abro a porta sonolenta e pego o jornal para ver bem qual será – ou já foi – a bondade que o governo despejou no país que anda ao passo do Deus-dará. Anuncia-se medidas, mudam-se as regras, fazem troca-troca de letras, como quem assoa o nariz, tira piolho da cabeça, cospe no campo de futebol. O resultado, o planejamento, a criação de condições para o desenvolvimento e independência, o foco e compasso com o resto do mundo ficam para algum dia, talvez, quem sabe?
Esta semana vimos estarrecidos o anúncio da abertura de mais algumas porteiras para o caos das grandes cidades. À beira de uma importante conferência, a Rio + 20, onde poderíamos (deveríamos) tomar a dianteira com medidas interessantes e particulares de preservação, de vida, de melhores condições, o homem que cuida da Fazenda libera crédito para carros populares, propondo com cara de pão sem manteiga que assim o país fluirá.
Meu bem, meu bem! Supondo que eu seja uma pessoa boa, tanto quanto você que me lê: por acaso isso vai realmente, de verdade, ajudar alguém, claro, além da indústria automobilística? Pobres largarão tudo que estão fazendo e acorrerão em massa às concessionárias, com cartas de crédito dadas facilmente pelos bancos?
Mas a ideia que passa é a da palavra que já está me dando urticária: inclusão. Vou dizer logo que tipo de inclusão. Inclusão de mais malandros no mercado político; manutenção de outros tantos, pelo populismo; inclusão de mais gente devendo as calças nos sistemas, ou vendo onde vai dar para roubar mais, para se incluir também. Inclusão de mais possibilidades de criação de uma bolha grande, grande, pronta a estourar, e que somada a outras bolhas, como a de imóveis, crise de combustíveis, de vergonha na cara, pode acabar incluindo é todo o país numa barafunda.
Ora, se dava para baixar impostos incidentes, porque eles estavam tão altos até o presente momento? Porque já não podíamos produzir, incentivando a indústria, em níveis mais decentes? É mais ou menos assim, como diria minha mãe em sua popular e direta sabedoria mineira, aperta, aperta, aperta, que ele solta um pum.
Também não pensem que vai sobrar bronca só para o governo federal, que nada! Todo dia recebo mensagens, por exemplo, de como a segurança pública paulista está maravilhosa, como baixaram todos os índices – assaltos, roubos, seqüestros, latrocínios, teretetê – e ainda sobre quantos milhares de homens reforçarão o efetivo nas ruas. Só que no mesmo jornal que pego na soleira de minha porta, também todo dia leio sobre casos os mais escabrosos, assaltos mirabolantes, caixas eletrônicos explodindo, balas perdidas por aí. Agora, arrastão rola até em prédios de gente que tem menos, provavelmente, até do que quem assalta.
Tanto que os caras levam até o cachorro, como fizeram essa semana, deixando o dono inconsolável. Daqui a pouco vão levar o quê? As crianças? As empregadas, que são produto em falta? Comida da geladeira, produtos de limpeza?
Mas tudo será investigado rigorosamente, logo que der. Pegou a senha? Senta e espera.
Aí, não bastasse, chegam as ideias, algumas até internacionais (mas impraticáveis por aqui), de jerico. E toma leis para implantá-las! Que tal essa, do motorista que não respeitar a regra de manter o carro a pelo menos um metro e meio de distância dos ciclistas levar multa de mais de 500 reais? Vocês não estão vendo – desde já – os sabiás e bemtevis do trânsito com fita métrica por aí? Como temos grandes e largas avenidas, ruas, estradas, com espaço de sobra, organização social, educação e nada para fazer, podíamos também implantar leis que proibissem os malditos pombos de voar na nossa frente, ou atravessar a rua a pé como fazem, que proibissem as moscas de bater no parabrisa. Poderiam aproveitar e proibir também, enfim, que os motociclistas barbeiros continuem fazendo ultrapassagens pela direita, e que eles se mantenham, obrigatoriamente, a mais de 5 metros dos carros, poupando assim nossos retrovisores.
Se é para dar ideia estapafúrdia, podem contar comigo. Tenho um rol delas. A de incentivar o uso de bicicletas nas ladeiras de São Paulo, alugando-as por uma puta grana, sinto muito, já roubaram e implantaram dia desses.
(Original aqui.)