Dando continuidade às “segundas acadêmicas”, divulgo aqui alguns apontamentos meus sobre o surgimento do Estado para Thomas Hobbes. O autor inglês do século XVII é extremamente relevante especialmente quando se considera o contratualismo presente em sua teoria e, mais que isso, como um expoente do Estado moderno na atualidade.
Deem uma olhada no texto abaixo e não se esqueçam de deixar seus comentários ao final. Ou se preferirem entrem em contato diretamente comigo para debatermos o assunto.
Um abraço a todos e até a próxima!
Prof. Matheus Passos.
O inglês Thomas Hobbes tem lugar de destaque na história da teoria política que pretende explicar o surgimento do Estado moderno. Suas ideias são importantes porque deram início ao entendimento do Estado como um “homem artificial” (BRANCO, 2009, p. 50) cuja função, acima de todas as outras, é a de garantir a segurança – não apenas dos seus súditos mas também de si mesmo, sob pena de sua própria extinção.
De maneira geral, o que Hobbes apresenta na primeira parte de seu principal livro – intitulado O Leviatã – corresponde a verdadeira “antropologia política”, já que apresenta aquelas que seriam as principais características do homem: “a miséria cognitiva, o hedonismo e a concupiscência” (BRANCO, 2009, p. 51).
A vida em coletividade, nesta situação anterior ao surgimento do Estado – conhecida como estado de natureza – funda-se na arbitrariedade e na simples concretização da vontade humana; por outras palavras, o que define as relações entre os homens é o “poder fático de mando” (BRANCO, 2009, p. 52). Isto não quer dizer que o homem, no estado de natureza, seja um selvagem (RIBEIRO, 1999, p. 54): ele apenas não possui a organização social ideal, ao menos na visão de Hobbes.
É importante destacar o aspecto racionalista do autor. Significa isto dizer que Hobbes defende seus argumentos com base naquilo que a razão é capaz de concretizar. Não há, para o autor, nenhum tipo de elemento transcendental no ser humano: este age apenas com base naquilo que lhe mostram seus órgãos sensoriais. E tais órgãos sensoriais, verificando a realidade na qual o homem se encontra, fará com que ele fundamente suas ações no medo: o medo da morte, o medo da perda, o medo da vida brutalizada existente no estado de natureza. Hobbes refuta, portanto, a filosofia política platônica e aristotélica, que de maneira geral defendia a existência de “algo” espiritualmente superior e “bom” em oposição à vida real, inferior e “ruim” do ser humano (BRANCO, 2009, p. 52).
Além disso, impera no estado de natureza um verdadeiro estado de igualdade entre todos os homens (CHEVALLIER, 1999, p. 70). Não que sejam todos uns iguais aos outros: em vez disso, Hobbes argumenta que os homens são tão iguais quanto os outros: enquanto uns têm vantagem na força física outros têm vantagem no intelecto, de maneira que ao final todos sejam, em média, iguais uns aos outros, “iguais o bastante para que nenhum possa triunfar de maneira total sobre outro” (RIBEIRO, 1999, p. 55).
A consequência desta igualdade é óbvia: sendo incapaz de se sobressair frente aos demais, a única solução racional é o homem tentar se antecipar frente ao outro. É razoável supor que em uma situação em que não havia um poder central ordenando as relações sociais o mais lógico seria o ser humano realizar o que chamaríamos atualmente de ataques preemptivos, buscando “eliminar a concorrência” na suposição de que os outros, um dia, iriam atacá-lo: “fazer a guerra contra os outros é a atitude mais racional que eu posso adotar” (RIBEIRO, 1999, p. 55, grifo no original).
Entretanto, sendo racional o homem também buscará sair da situação de miséria em que se encontra no estado de natureza: buscará o homem a concretização da máxima “não façais aos outros o que não quereis que vos façam” (CHEVALLIER, 1999, p. 71). E fará isto por meio da lógica e da racionalidade criando o chamado estado de sociedade a partir de um contrato social entre todos os indivíduos. Hobbes acredita que é muito mais racional que o ser humano abra mão de sua liberdade incondicional existente no estado de natureza, mas que pode lhe causar a morte, em benefício de uma liberdade condicionada pela lei existente no estado de sociedade, mas que lhe garante (ou ao menos busca garantir) a sua segurança e integridade física.
É desta forma que o Estado surgido em decorrência deste contrato social se transforma na única instituição autorizada a legitimamente exercer o monopólio da força física, acumulando também as funções de juiz e de legislador. Assim é que “a autoridade competente, representativa do Estado, tem o monopólio da decisão política. Decide o que é justo ou injusto, crime ou pecado, ‘certo’ ou ‘errado’, sobre o ‘costume prolongado’ que deve elevar-se ao status de lei” (BRANCO, 2009, p. 53). O poder do governante tem de ser ilimitado, pois se o mesmo tiver qualquer limitação poder-se-ia perguntar: quem irá julgá-lo em sua justiça ou injustiça? (RIBEIRO, 1999, p. 63)
Vale também destacar que “o soberano de um Estado, quer seja uma assembléia [sic] ou um homem, não se encontra sujeito às leis” (BRANCO, 2009, p. 53). Por outras palavras, significa dizer que os homens fazem o contrato entre si, mas o Estado não (CHEVALLIER, 1999, p. 73), e isto por duas razões lógicas. A primeira é que o Estado não existia no momento de criação do contrato social – pelo contrário, é seu resultado e, portanto, logicamente, não poderia ser parte contratante do mesmo. A segunda é que o contrato social implica na limitação dos direitos naturais dos indivíduos com o objetivo de evitar que um use a força física contra o outro. Ora, se o Estado tomasse parte de tal contrato também ele – Estado – estaria limitado no uso da sua própria força física contra os demais, o que minaria o próprio contrato social porque tal situação corresponderia ao próprio estado de natureza, em que todos são iguais entre si.
É por este motivo que a força política do soberano, transformada em lei, é fundamentada no controle absoluto dos meios coercitivos (BRANCO, 2009, p. 54), tanto no que concerne à definição do que são quanto ao seu uso. Por outras palavras, uma vez concretizado o contrato social e estabelecido o estado de sociedade, apenas à instituição Estado é concedida a possibilidade de exercício do poder coercitivo – da força física, portanto – para a manutenção da ordem.
Além do poder coercitivo ser absoluto nas mãos do Estado, Hobbes também defende a indivisibilidade de tal poder. Ao falar sobre a impossibilidade de divisão dos poderes – em suas palavras, entre poder temporal e espiritual –, Hobbes argumenta que “um homem não pode obedecer a dois senhores, pois tal confusão leva à desordem e pode conduzir à destruição do Estado” (BRANCO, 2009, p. 54). Significa dizer, por outras palavras, que o soberano deve exercer ao mesmo tempo o que hodiernamente se chama de poder Executivo, poder Legislativo e poder Judiciário, sob pena de não conseguir desempenhar a função para a qual foi criado.
É aquele medo anteriormente citado, portanto, que leva o homem a construir o Estado. É este mesmo medo que faz com que o homem decida transferir seus direitos naturais a este Estado, ao Leviatã, para que este, dotado de toda a força político-coercitiva possível, possa manter a ordem e manter a segurança de todos.
Vale destacar, contudo, que o Estado absoluto não é tão absoluto assim. O Estado absoluto é criado para garantir a segurança dos homens, que no estado de natureza estariam matando-se uns aos outros. Porém, o que aconteceria se o Estado fosse incapaz de garantir esta segurança, razão última para a qual fora criado? Ora, “se este fim não for atendido pelo soberano, o súdito não lhe deve mais obediência” (RIBEIRO, 1999, p. 68). Ou seja, o indivíduo deve sim se submeter à vontade absoluta do Estado desde que este cumpra as obrigações para as quais fora criado. Caso o Estado seja incapaz de garantir a segurança, o homem recobra seus direitos naturais e regressa ao estado de natureza, cabendo então a ele criar um novo estado de sociedade por meio de um novo contrato social (CHEVALLIER, 1999, p. 77).
À guisa de conclusão, vale destacar um aspecto fundamental da filosofia política de Hobbes sobre a criação do Estado moderno: é a visão democrática da formação do Estado. Explicou-se nas linhas anteriores que o Estado criado por Hobbes é um Estado absolutista, posto que ele não faz parte do contrato social, por um lado – sendo, por isto mesmo, livre para agir como bem entender –, e por outro porque concentra em si as funções dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Desta forma, ainda que o Estado se submeta à lei, esta é criada por ele mesmo e pode por ele ser alterada a qualquer momento, de maneira que não existe nenhum tipo do que atualmente chamaríamos de controle social naquilo que o Estado faz (CHEVALLIER, 1999, p. 76).
Esta visão democrática no pensamento de Hobbes se origina a partir da necessidade vista pelo autor de fazer com que todos participem do contrato social, ou seja, da formação do Estado. Ao falar sobre o tema, o autor deixa claro que “os homens” – ou seja, todos os homens, e não apenas “alguns homens” – irão participar da criação do Estado porque são racionais e lutam contra o medo e contra a insegurança. É o que o próprio autor indica:
[Diante da necessidade de segurança um homem ou uma assembleia de homens é designada] como representantes de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos, que aquele que representa suas pessoas praticar ou levar a praticar, em tudo que disser respeito à paz e segurança comuns, todos submetendo assim à vontade do representante, e suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que um consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os outros (HOBBES, citado por BRANCO, 2009, p. 80).
O que se verifica pelo trecho acima é que, a despeito da soberania ser absoluta e inequivocamente centralizada nas mãos do Estado, ela é criada com base na vontade de todos os homens. Portanto, o Estado hobbesiano, ao menos no momento de sua criação, pode ser visto como um Estado democrático, já que sua fundação pressupõe a participação de todos e a aceitação – ou legitimação – por todos, vindo a tornar-se absolutista no momento de sua atuação – inclusive submetendo pela força aqueles que contra ele se rebelarem.
Referências:
BRANCO, Pedro Hermínio Villas Bôas Castelo. A teologia política de Hobbes. In: FERREIRA, Lier Pires; GUANABARA, Ricardo; JORGE, Vladimyr Lombardo (orgs.). Curso de ciência política. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999.
RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco C. (org.). Os clássicos da política. 1.º vol. 11ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
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