Pouco se sabe sobre a pequena comunidade negra que viveu na Alemanha na época do Terceiro Reich. A Deutsche Welle lança um olhar sobre suas estratégias de sobrevivência durante o regime opressor de Hitler.
Entre 20 mil e 25 mil negros viviam na Alemanha durante o regime nazista. Quando questionados sobre os negros no Terceiro Reich, os alemães costumam falar sobre a mostra Afrika Schau. Em seu livro Hitler’s Black Victims (As vítimas negras de Hitler, em tradução literal), o pesquisador norte-americano Clarence Lusane descreve Afrika Schau como uma mostra itinerante iniciada em 1936.
Os responsáveis pelo “show” eram Juliette Tipner, cuja mãe era da Libéria, e seu marido branco, Adolph Hillerkus. O objetivo do “espetáculo” era mostrar a cultura africana na Alemanha.
Em 1940, a Afrika Schau foi retomada pela SS e por Joseph Goebbels, que “esperava que isso fosse útil não só para propaganda e fins ideológicos, mas também como maneira de reunir todos os negros no país sob um mesmo teto”, escreve Lusane. Para seus participantes, a Afrika Schau tornou-se um meio de sobrevivência na Alemanha nazista.
Para a historiadora norte-americana Tina Campt, cuja pesquisa trata da diáspora africana na Alemanha, “era possível que os negros nela envolvidos a usassem para fins não previstos por quem a organizou. Se por um lado a Afrika Schau desumanizou pessoas, por outro lado, para os participantes, era uma oportunidade de ganhar dinheiro, como também um local para se comunicar com outros negros”.
Contudo, o show não teve sucesso e foi encerrado em 1941. Além disso, ele não tinha condições de reunir todos os negros no país sob um pavilhão, possivelmente porque ele só aceitava negros de pele mais escura, segundo o estereótipo do que era considerado africano.
Os “bastardos da Renânia”
A maioria dos negros de pele mais clara que vivia na Alemanha durante o Terceiro Reich era formada por mestiços, e um bom número deles eram filhos dos soldados franceses negros das tropas de ocupação com mulheres da Renânia.
A existência dessas crianças é e continua sendo de conhecimento público, porque elas foram mencionadas no livro Minha Luta, de Hitler. Na Alemanha nazista, eles foram descritos com o termo depreciativo “bastardos da Renânia”.
A Deutsche Welle conversou com o historiador alemão Reiner Pommerin para descobrir o que aconteceu com estas crianças. “Publiquei um livro nos anos 1970 sobre a esterilização dos mestiços. Foram crianças geradas pelas forças de ocupação – principalmente as francesas”, disse.
Seu livro Esterilização dos bastardos da Renânia. O destino de uma minoria negra alemã 1918 – 1937 enfoca a esterilização da minoria negra na Alemanha nazista.
Sem plano de extermínio sistemático
Antes da publicação do livro, em 1979, essa informação era desconhecida para o público. A esterilização de crianças birraciais foi realizada secretamente porque violava as leis nazistas de 1938. Os números exatos permanecem desconhecidos, mas estima-se que 400 crianças mestiças foram esterilizadas – a maioria sem o seu conhecimento, disse Pommerin.
Hoje, o destino dos “bastardos da Renânia” ainda permanece em grande parte desconhecido. Essa falta de conhecimento pode estar relacionada à “falta de interesse público em relação a minorias”, crê Pommerin. Já Campt atribui isso ao sigilo por trás do programa de esterilização e à natureza da Afrika Schau. “Isso tem a ver com o status do Afrika Schau como espetáculo. Assim, ele foi criado como um espetáculo visual, que deveria levar as pessoas a vê-lo como uma exibição”, complementou.
Segundo Campt, a principal diferença entre a vivência dos negros e a de outros grupos no Terceiro Reich é a falta de um plano sistemático de extermínio nazista. Além disso, devido ao pequeno número de negros que viviam no país, poucos estão dispostos a reconhecer que vale a pena discutir sobre o destino dessa população.
Apoio a pesquisadores
Além disso, pesquisadores que trabalham nesta área recebem pouco ou nenhum apoio na Alemanha. Nos Estados Unidos acontece o contrário. Lá a pesquisa sobre minorias é bem financiada, devido ao legado do Movimento pelos Direitos Civis.
“Estudiosos alemães negros que pesquisam há anos não necessariamente obtêm reconhecimento com base em qualificações, com base em se estão ou não trabalhando dentro de certo tipo de estrutura acadêmica para o estudo das culturas de minorias”, disse Campt.
Embora a publicação do livro de Pommerin sobre a esterilização dos “bastardos da Renânia” não tenha recebido muito interesse por parte do público, ele recebeu certa atenção do setor político alemão. Um membro do Partido Social Democrata questionou se poderia obter os nomes das vítimas, para que pudessem ser indenizadas.
Pommerin disse à Deutsche Welle que “(o político) pretendia destinar para isso mais de 2 mil dólares. Eu sabia onde eles moravam, mas eu não queria incomodar essas pessoas, porque eu poderia dizer que se tratava mais de interesse político. E eu podia ver as câmeras de tevê diante das casas nos lugarejos onde o dinheiro seria entregue. E, de repente, a grande sensação na vila – aqui está alguém que foi esterilizado”.
(Original aqui.)
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