A eleição da Dilma inaugura uma nova pauta de conjecturas, quanto ao futuro do País, envolvendo temores e esperanças. Nela, inevitavelmente, assume destaque a reforma tributária.
A matéria provoca, desde logo, o ânimo, parafraseando expressão consagrada à época do governo Geisel, dos bolsões radicais e nem sempre sinceros. Ressurge, de pronto, a ideia do imposto sobre grandes fortunas. Essa hipótese foi prevista na Constituição de 1988 por inspiração francesa, que no início dos anos oitenta, durante o governo Mitterrand, produziu tal excentricidade, copiada por uns poucos países, sem nenhum êxito como instrumento de arrecadação ou de justiça fiscal.
No Brasil, a instituição desse tributo ficou condicionada, por imperativo constitucional, à edição de lei complementar, ao contrário dos demais impostos, cuja implementação reclamava tão somente lei ordinária. Essa restrição revelava que se tratava de uma iniciativa francamente demagógica – uma espécie de concessão política, com remota possibilidadede lograr concretude.
As propostas para instituir aquele imposto eram escandalosamente insubsistentes. A qualquer leigo, espanta imaginar que a renda, tributada por imposto específico, que gera um património, também tributado por imposto específico, venha a ser mais uma vez tributada em um ciclo exótico de pluritributação. Pretensões de onerar mais severamente renda ou patrimônio mais elevado deveriam se esgotar nas alíquotas e bases de cálculo dos correspondentes tributos, sem a necessidade de criar uma nova espécie tributária, ao gosto dos que preferem recriminar a acumulação de renda ou riqueza, como se isso, a priori, correspondessea uma injustiça.
Essa curioso tipo tributário motivou Raúl Reyes, militante das Farc, morto em 2008 no Equador, a propor e afinal “promulgar” a “lei 002”, em virtude da qual as pessoas e os titulares de empresas colombianas com patrimônio superior ao equivalente a um milhão de dólares norte-americanos deveriam recolher à narcoguerrilhao correspondente a cem mil dólares, sob pena de serem sequestrados. Felizmente, nenhuma proposta legislativa visando à instituição do imposto sobre grandes fortunas, no Brasil, incorporou o modelo proclamado pelas Farc.
É natural também que ressurja a ideia de recriação da CPMF, agora sob a denominação de Contribuição de Solidariedade Social – CSS. O correspondente projeto de lei se encontra na Câmara dos Deputados, com tramitação interrompida por força de conveniências eleitorais.Sua justificação repousa na aclamada tese de elevação dos recursos destinados à saúde.
A saúde pública, no Brasil, é um desastre: os serviços são ruins, a remuneração dos profissionais é ridícula, faltam remédios e equipamentos. Para enfrentar esse quadro se recorre à vetusta forma de ampliar a destinação de recursos, desprezando iniciativas visando à adoção de práticas gerenciais que privilegiem a eficiência, como preconiza a Constituição.
Há uma forte possibilidade de que a CSS prospere. Em consequência, teremos aumento de carga tributária, sem nenhuma garantia de que ele venha a repercutir positivamente na qualidade dos serviços de saúde pública.
A mística que envolve a expressão “reforma tributária” trará de volta antigas propostas que buscam reinventar o sistema tributário brasileiro ao arrepio de nossa história, das forças políticas que gravitam em torno dos Estados e Municípios e dos fortes interesses que explicam as vinculações setoriais nos orçamentos públicos.
A preferência será, naquele caso, por soluções majestáticas, traduzidas em emendas constitucionais. Os autores dessas propostas desconhecem que sistemas tributários resultam de tensões políticas no âmbito dos parlamentos e que, por isso, soluções demasiado abrangentes findam inevitavelmente na maximização dos conflitos com efeitos paralisantes.
As ameaças ao equilíbrio fiscal, que se ampliaram nos últimos anos, combinadas com as fortes incertezas do cenário internacional podem inspirar uma atitude cautelosa e, ao mesmo tempo, realista no campo da tributação.
Seria recomendável que fossem identificados os problemas tributários mais relevantes e formuladas as correspondentes medidas para resolvê-los ou, ao menos, mitigar seus efeitos. Pelo critério de relevância incluem-se na agenda de problemas: a guerra fiscal do ICMS e do ISS, os créditos acumulados nas operações de exportação, o aproveitamento imediato dos créditos vinculados a investimentos, a redução na diversidade de alíquotas efetivas do ICMS, a desburocratização fiscal relacionada com inscrição e baixa de contribuintes, a grande volatilidade das normas tributárias.
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal
(Original aqui.)