A tranquila recondução de José Sarney à presidência do Senado Federal, para mais um mandato de dois anos – o quarto -, pode parecer um saudável sintoma da estabilidade política de que o País necessita para evoluir na consolidação das instituições republicanas e do desenvolvimento econômico e social. Na verdade, é uma garantia de tranquilidade para o governo, que continuará dispondo, no comando da Câmara Alta, de um aliado exigente em termos de contrapartidas, mas subservientemente fiel e prestativo.
A recondução de Sarney à presidência do Senado é uma marca do atraso político que o Brasil não consegue superar. É o tributo que a Nação é obrigada a pagar, em nome de uma concepção falsificada de governabilidade, ao mais legítimo representante das oligarquias retrógradas que dominam e infelicitam as regiões mais pobres do País.
Democracia e oligarquia são incompatíveis entre si. Um oligarca como José Sarney, portanto, é incompatível com a democracia, da qual só lhe interessa o sistema eleitoral que manipula sem constrangimento para se perpetuar no poder.
José Sarney está no poder, quase que ininterruptamente, há mais de meio século. Pelo menos desde o golpe militar de 1964, quando se elegeu governador do Maranhão, com o apoio do presidente Castelo Branco, e depois senador desse Estado por dois mandatos consecutivos.
Presidiu a Arena, depois PDS, e em 1985, quando pressentiu a irreversibilidade do processo de redemocratização do País, em troca da candidatura a vice-presidente, coliderou a dissensão que resultou na eleição do oposicionista Tancredo Neves. Com a morte deste, a Presidência da República caiu-lhe no colo.
Depois de um mandato que registrou seguidas crises econômicas, o estouro da inflação e uma controvertida moratória, Sarney criou condições para que o País se encantasse com um “caçador de marajás”, na eleição presidencial de 1989. Isso acabou lhe custando um breve período – os dois anos e sete meses de Fernando Collor na Presidência – distante do poder. Mas logo em seguida, já em fins de 1992, com Itamar Franco na Presidência, o senador Sarney estava novamente na situação.
Paralelamente, o clã Sarney consolidava seu poderio econômico, com um complexo de negócios cuja face mais visível é o Sistema Mirante de Comunicação, o maior grupo privado de comunicação do Maranhão, proprietário de emissoras de televisão e de rádio e do diário O Estado do Maranhão.
Mas a completa simbiose do senador maranhense eleito pelo Amapá com o Poder Central ocorreu a partir da chegada do lulo-petismo ao Palácio do Planalto. Imune a pruridos éticos, Lula não demorou em transformar aquele que fora um dos alvos preferenciais de seus ataques, quando na oposição, em um aliado indispensável.
O primeiro grande serviço prestado pelo senador ao novo amigo ocorreu quando estourou o escândalo do mensalão e Sarney ajudou a convencer a oposição de que Lula deveria ser preservado. A recompensa veio em 2009, quando Sarney ocupava pela terceira vez a presidência do Senado e estourou uma série de escândalos na administração da Casa. Foram, então, apresentados 11 pedidos de cassação de seu mandato à Comissão de Ética do Senado. Lula acionou sua tropa de choque e dessa vez o preservado foi Sarney.
A essa altura até a mídia internacional já se tinha dado conta do que representava o homem forte do governo Lula. Logo após sua terceira eleição para a presidência da Câmara Alta, em 2009, Sarney foi o protagonista de ampla reportagem da revista inglesa The Economist. Sob o título Onde os dinossauros ainda vagam, a matéria assinada pelo jornalista John Prideaux classificava o evento como uma “vitória do semifeudalismo”.
Inabalável, o eterno governista disse que fará mais um “sacrifício pessoal”, ficando mais dois anos na presidência do Senado.
Como se não tivesse sido o principal personagem do escândalo dos “atos secretos”, afirmou, ainda impávido, que “a ética, para mim, não tem sido só palavras, mas exemplo de vida inteira”.
Só se emocionou, chegando às lágrimas, quando lembrou que este será o seu último mandato legislativo.
(Original aqui.)