Com o início da 54a legislatura, completa-se o quadro político definido pelas eleições de 2010. Dilma já ocupava a Presidência desde 1o de janeiro, mas os membros do Senado e da Câmara eleitos ano passado ainda não tinham começado a trabalhar.
A existência de uma defasagem de tempo na renovação dos poderes Executivo e Legislativo é antiga em nossa tradição político-administrativa, sem que sejam claras suas razões. O certo é que, hoje, ninguém a defende, nem que seja por um de seus sub-produtos mais indesejáveis, os suplentes que exercem mandatos relâmpago durante o mês de janeiro, em pleno recesso parlamentar, e que não saem nada baratos para os contribuintes.
Tampouco é fácil explicar o porquê das legislaturas começarem em fevereiro, ainda que seja um costume antigo. Nem a atual, nem as Constituições anteriores fixaram a data. Um dia, alguém decidiu que assim seria e assim ficou.
Quem sabe, na hora em que formos fazer a sempre adiada reforma política, não será o caso de pensar se vale a pena manter a regra. Junto com a que estabelece a posse dos governantes no primeiro dia do ano, algo que desagrada a todos, eleitos, eleitores e convidados (sem falar nos profissionais de imprensa). Mal recuperadas dos festejos do Reveillon e em pleno verão tropical, as pessoas têm que se enfatiotar para comparecer, em uma hora totalmente inadequada, às cerimônias de transmissão de cargo.
Na nova Câmara, o fato mais relevante é o tamanho do PT. É o único partido grande que vem experimentando um crescimento contínuo nos últimos anos, o que o levou a ser o de maior bancada agora. Daí que tenha indicado o presidente da Casa sem a necessidade de negociações complicadas.
Os demais grandes perderam tamanho, especialmente o DEM, que foi ultrapassado pelo PP na posição de quarto maior. Também o PSDB encolheu, mas permaneceu em terceiro lugar. O PMDB, que havia eleito 89 deputados em 2006 e engordado durante o segundo governo Lula, fez 78 agora. Com isso, cedeu a primazia para o PT, que foi de 83 a 88.
O conjunto das oposições, incluindo o PPS, minguou. Somando as bancadas do PSDB e do DEM aos ex-comunistas (hoje “popular-socialistas”), foram 109 os deputados eleitos em 2010, contra 163 na eleição anterior. Proporcionalmente, uma queda de mais de 40%. Se alguém quisesse dizer que foi uma catástrofe, não exageraria.
Considerando os partidos que deram suporte à sua candidatura, Dilma terá do seu lado 311 deputados, ou seja, 60% do total. Se agregarmos todos dos partidos que estiveram com Lula (os que ela tem, mais PP, PTB e PV), chegaria a 402 (mais que seu antecessor) e a 78% do universo. O situacionismo cresceu muito na Câmara.
Algo parecido aconteceu no Senado, agravado pela perda de nomes ilustres do oposicionismo. Conforme o cálculo, o governo poderá ter até 60 votos (no total de 81) naquela Casa, perto de 75%. Em termos partidários, o PMDB manteve sua hegemonia e a presidência. O que diminuiu foi a distância no tamanho de sua bancada para com a do PT: da última para a nova legislatura, os peemedebistas continuaram com 20 cadeiras e os petistas passaram de 11 para 15.
Assim, por qualquer ângulo que se olhe, a Brasília que começa hoje oficialmente a funcionar é a mais petista e governista de nossa história. O que significa que é a menos tucana e oposicionista.
No Planalto, está uma presidenta que representa a terceira vitória consecutiva de Lula e do PT, e que confirma que estamos vivendo um longo ciclo de poder, que já chega a 12 anos e parece que poderá passar disso. Na Câmara, a maior bancada é do PT. No Senado, um desempenho que pode levá-lo, em breve, ao tamanho do PMDB, enquanto os demais definham ou permanecem pequenos (mesmo crescendo, como o PSB e o PP).
De onde terá nossa “grande imprensa” tirado a noção de que as eleições de 2010 “até que foram boas para o PSDB”? De onde é possível dizer que a oposição “saiu forte” das urnas?
As vitórias nos estados mudam pouco esse quadro. Para o verdadeiro jogo político de impacto nacional, que define o que acontecerá com o Brasil nos próximos anos, elas são menos importantes que o Congresso que começa.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
(Original aqui.)