O discurso de hoje do senador Aécio Neves, que está sendo considerado como o primeiro direcionamento sobre o que a oposição deve fazer e qual deve ser o seu comportamento diante do governo Dilma, está construído sobre três pilares: o resgate do papel do PSDB na formação do país atual; a denúncia das contradições entre o que o senador mineiro chama de “mundo cor-de-rosa” da propaganda oficial e o mundo real; e finalmente as propostas de ação.
O tom do discurso é de resgate dos feitos do PSDB para que vivamos hoje num país muito melhor, como Aécio Neves admite, mas ressaltando que, se não fosse o PSDB, não estaria tão bem assim.
Pela primeira vez a oposição, através das palavras de Aécio Neves, assumirá com clareza as privatizações como algo fundamental para o aggiornamento do país: “As mudanças estruturais do governo Fernando Henrique Cardoso, entre elas as privatizações, definiram a nova face contemporânea do país. A democratização do acesso à telefonia celular talvez seja o melhor exemplo do acerto das medidas corajosamente tomadas. Porque é disso que é feito um bom governo: de decisões e não apenas de circunstâncias.”
O senador Aécio Neves destacará a importância, entre as “mudanças estruturais”, da Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada com o voto contrário do PT, e do Proer, relembrando que o mecanismo, que hoje é apontado pelo governo petista como um exemplo para o mundo depois da crise financeira de 2008, foi duramente criticado pelo PT:
“Para suportar as crises econômicas internacionais cíclicas — e já foram muitas — e salvaguardar o sistema financeiro nacional, estruturamos o Proer, sob as incompreensões e o ataque cerrado dos nossos adversários. Os mesmos que o utilizaram para ultrapassar o inferno da crise de 2009 e que o apresentam agora como exemplo de boa governança para o mundo.”
Um bom resumo para essa parte do discurso seria a frase: “Sempre que precisou escolher entre o Brasil e o PT, o PT ficou com o PT.”
E Aécio Neves relembrará: foi assim quando não apoiou o governo de Itamar Franco (hoje senador oposicionista pelo PPS) num momento difícil, foi assim no Plano Real “porque o Lula estava à frente das pesquisas”, foi assim na Lei de Responsabilidade Fiscal.
O senador mineiro, enfim, cobrará a generosidade que faltaria ao PT de reconhecer que o país atual foi “uma construção de muitos brasileiros, não de apenas um governo”.
No segundo pilar, sobre as contradições entre o Brasil da propaganda governista, que vem desde a campanha presidencial, e o Brasil real, Aécio Neves fala sobre os desafios que vê pela frente.
Em primeiro lugar, registra que o governo Dilma, apesar dos esforços para exibir uma personalidade própria, não passa do nono ano de governo petista, “não há ruptura entre o velho e o novo, mas o continuísmo das graves contradições dos últimos anos”.
Critica diretamente a ação do governo na sucessão da presidência da Vale do Rio Doce: “(…) não posso crer que seja interesse do país que o governismo avance sobre empresas privadas, com o objetivo de atrelá-las às suas conveniências. Como se faz, agora, sem nenhum constrangimento, com a maior empresa privada do Brasil, a Vale.”
Aécio Neves alerta para a necessidade de não se perder o controle da inflação e destaca os problemas de infraestrutura do país, comparando nossas estradas, portos e ferrovias com os de países com os quais competimos:
“Estudo feito a partir do relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial mostra que, comparado a outros 20 países com os quais concorre no mercado global, o Brasil ficou apenas na 17 colocação no quesito Qualidade Geral da Infraestrutura. Empatamos com a Colômbia. No item Qualidade da Infraestrutura Portuária, o Brasil teve o pior desempenho. Fomos os lanternas do grupo. No setor ferroviário, o padrão de qualidade brasileiro só não é pior que o da Colômbia. A qualidade das estradas brasileiras, por onde trafega mais da metade das cargas no país, supera apenas a da Rússia. Ficamos na penúltima colocação.”
O senador mineiro aponta também a contradição do governo, que aumenta a taxação das empresas de saneamento, que investirão menos do que pagarão de impostos no próximo ano.
O terceiro pilar são as propostas de como fazer diferente do que está aí “há quase uma década”. Aécio Neves conclama a própria base governista a se unir à oposição para aprovar algumas medidas, a mais polêmica e importante é uma espécie de “gatilho”: toda vez que o governo fizer uma isenção fiscal com imposto compartilhado — IPI, IR —, que ele reponha imediatamente os recursos perdidos por estados e municípios.
A proposta mais radical é a de acabar com rodovias federais, transferindo-as para os estados, com os recursos da Cide, o imposto cuja destinação prioritária é para a área de transportes.
O discurso do senador Aécio Neves dedicará críticas à centralização dos recursos provenientes dos impostos no governo federal: “A melhor evidência desse pecado capital é o encolhimento do tamanho da fatia estadual e municipal no bolo da receita tributária federal, porque o governo passou a arrecadar cada vez mais tributos que não são incluídos na base dos fundos de participação. Como consequência, (…) a fatia em relação ao bolo de receitas tributárias federais encolheu de 27% em 2002 para apenas 19,4% em 2010.”
Não é à toa que representantes de frentes municipalistas estarão presentes ao Senado hoje. O senador Aécio Neves está disposto a explorar com a oposição um vácuo que considera que o governo Lula deixou ao assumir diretamente a distribuição de auxílios como o Bolsa Família.
“O governo fragiliza a Federação ao fragilizar estados e municípios.”
(Original aqui.)