Às vezes, é impossível não sentir inveja dos americanos. Enquanto ficamos enredados em discussões bizantinas, eles estão lá na frente
Sempre resta o consolo de que a cultura política da maioria dos países é mais atrasada que a nossa. Ou que já estivemos tão piores que temos mais a comemorar que a lamentar.
É verdade, mas isso não deve nos levar à sensação do dever cumprido. Se não tivermos consciência de que podemos fazer mais, corremos o risco de desperdiçar as oportunidades que a história vai nos abrindo.
Agora, por exemplo, o meio político discute algo que a sociedade brasileira aguarda há anos, uma reforma política que oxigene nossa democracia, remova obstáculos e elimine os problemas que todos conhecem.
O Senado criou uma comissão para preparar um anteprojeto, a Câmara instituiu a sua, algumas Assembléias Estaduais promovem discussões para subsidiar o trabalho feito na esfera federal. O Executivo está mobilizado, a presidente da República comprometida. O Judiciário em peso está do seu lado.
A imprensa a discute diariamente, as instituições da sociedade civil só não fazem mais por que ninguém lhes mostrou o quê. A opinião pública a vê como prioridade.
Mas ela não vai bem. A cada dia que passa, se espera menos da Comissão Especial do Senado. Quanto à sua equivalente na Câmara, a incerteza é grande.
Parece que senadores e deputados querem resolver tudo ao mesmo tempo, o que não costuma levar a lugar algum. Sem noção de processo, sem saber o que vem antes e o que depois.
No plano jurídico, nosso sistema político se manteve relativamente estável desde quando seus fundamentos foram assentados depois da Revolução de 1930. Se considerarmos a promulgação do Código Eleitoral de 1934 como seu marco, ele já tem quase 80 anos, o que não é pouco para um país que não completou dois séculos de independência.
Nesse intervalo, foi interrompido por duas ditaduras, mas saiu delas íntegro (na medida do possível). A rigor, o ciclo militar não o extinguiu (como fez o Estado Novo), pois seus intelectuais não se sentiram livres para tanto. Aumentaram os controles, cortaram daqui, cercearam dali, mas ele permaneceu.
É a partir dele que devemos caminhar, como depois da redemocratização, na Constituição de 1988 e na legislação subsequente, com algumas inovações bem-vindas, como a reeleição, e outras equivocadas, como a permissão das coligações nas eleições proporcionais. É o mais recomendável agora, tendo o cuidado de não jogar fora o bebê com a água do banho. Nosso sistema deve ser aprimorado, não negado.
A democracia brasileira precisa modernizar-se, livrar-se do ranço dos excessos regulatórios e burocratizantes. Precisa abrir-se à participação popular, encorajando tudo que aumente a atuação do cidadão na esfera pública: controle social dos eleitos, iniciativa legal, transparência, gestão participativa das políticas governamentais.
Está na hora de acabar com algumas excrescências: os partidos que só existem para fazer negócios, o formato atual da propaganda eleitoral gratuita, a ficção de que só se faz campanha nos três meses que antecedem as eleições.
É aí que entra a inveja dos americanos.
Neste início de abril, Barack Obama começou, às claras, sua campanha para as eleições de novembro de 2012. Está errado? Ou é bom que seja assim, pois os cidadãos têm mais tempo para olhá-lo como candidato e fazer seu julgamento? Para se informar sobre o que pensa fazer em seu segundo governo
Obama pede ideias e sugestões ao eleitor, dizendo o que fez e o que não conseguiu fazer até agora (e porquê). Pede apoio e dinheiro, estimando que vai gastar 1 bilhão de dólares na campanha. Tudo com franqueza, sem fingimentos.
Foi engraçado ver o tom de alguns veículos ao dar a notícia. Os mesmos que acharam um absurdo que Lula lançasse Dilma desde 2009, aplaudiram a “jogada de mestre” do presidente americano.
O subdesenvolvimento político também se manifesta assim.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
(Original aqui.)