Sérgio Abranches
O governo japonês elevou o índice de risco nuclear de Fukushima para nível 7, o mais alto. O mesmo de Chernobyl. Quais as consequências desse reconhecimento de que estamos diante de um acidente nuclear de grande proporção?
O INES – International Nuclear and Radiological Event Scale, é um índice que tem perto de 20 anos de existência. Ele permite indicar com precisão e sem subjetividade o grau de risco de um incidente radiativo. O governo japonês tomou essa decisão baseado no volume de material radiativo que vazou.
Mas isso não faz de Fukushima outra Chernobyl. Chernobyl era uma usina com reator muito mais tosco. Era refrigerado a água e tinha um moderador de grafite no núcleo, que podia entrar em combustão. Essa associação entre o resfriamento a água e o núcleo com grafite apresenta sério risco de gerar uma reação em cadeia. Uma série de erros gerou explosão e fogo, que lançou o material radiativo na atmosfera. O fallout era comparável ao de uma bomba e muito maior que o da bomba lançada pelo EUA sobre Hiroshima. A usina de Chernobyl não tinha estrutura de contenção, nem o invólucro de concreto, nem a cápsula de aço em torno do núcleo, como tem Fukushima. Fukushima não tem um núcleo combustível de grafite. Por isso o acidente no Japão nunca seguirá a mesma trajetória. Mas continua sendo um acidente de grande proporção, com efeitos mais amplos e mais graves e que não ficarão circunscritos ao local da usina e seu entorno mais próximo. A crise em Fukushima será ainda bastante prolongada.
Quais as consequências práticas desse acidente, além de suas vítimas?
A primeira delas é que a energia nuclear passa a ser objeto de profunda reavaliação. A energia nuclear está na berlinda. Todo o conceito de segurança nuclear, que até agora era consenso na indústria, está em cheque. Isto tem consequências econômicas e políticas significativas. Economicamente, a principal alternativa disponível para substituir eletricidade fóssil em larga escala passou a ser considerada de muito maior risco do que se admitia. Saiu da prateleira, pelo menos temporariamente. Isso incentiva investimentos em tecnologias alternativas, mas também em segurança nuclear. Toda a indústria está, no momento, debruçada sobre suas pranchetas, revendo todos os protocolos de segurança nuclear – desenho, engenharia, processo e gestão – para responder às dúvidas suscitadas por Fukushima.
Há um paralelo com o vazamento da BP no golfo do México. Ninguém, na indústria do petróleo sabia como interromper o vazamento àquela profundidade. A solução demorou demais a aparecer. Acabou surgindo de um processo de cooperação intensa e de ensaio e erro. Em Fukushima, a indústria não tinha, tampouco, solução pronta para o tipo de acidente, para resfriar o material radiativo naquelas condições e estancar o vazamento de material radiativo. Não há, ainda, solução para o fechamento definitivo dos reatores com o combustível resfriado (cool shutdown).
Politicamente, o acidente reforçou o movimento contra a energia nuclear, deu mais argumentos aos defensores de energias limpas alternativas, de baixo risco, como solar, eólica, marémotriz, energia das ondas, biocombustíveis de segunda e terceira geração, hidrelétrica. Mas fez, também, o lobby do carvão reacender suas esperanças e relançar o marketing do “carvão limpo”.
Carvão limpo é uma hipótese não comprovada. Isso, do ponto de vista daqueles que defendem de boa fé a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de carvão limpo. Estão preocupados com segurança energética e climática. Como o carvão é abundante, imaginam que se pudesse ser limpo, seria uma boa solução. Mas reconhecem que essa tecnologia não existe e que estamos a décadas de chegar a ela, se algum dia chegarmos. Portanto não é uma alternativa na prateleira, nem que venha a estar disponível no curto prazo.
Já o lobby mal intencionado, aproveita as dúvidas sobre energia nuclear para jogar sobre ela a marca da vilania e prometer o que não pode cumprir, carvão seguro e limpo. Esse produto não existe. Entre a energia nuclear e o carvão, a nuclear é de longe melhor, tanto do ponto de vista das emissões de gases de efeito estufa, quanto do ponto de vista da poluição e dos danos à saúde. O carvão tem esses efeitos em termos correntes, diários. Os efeitos do risco nuclear só aparecem quando há acidentes e estes têm sido raros.
Isso significa que devemos optar por uma ou outra no Brasil? De forma alguma, não precisamos nem do carvão, nem da nuclear. Temos alternativas de menor impacto ambiental, seguras do ponto de vista climático, limpas e fartamente disponíveis. Entre elas, duas fontes abundantes e não exploradas: sol (principalmente para gerar eletricidade fotovoltaica) e mar. Temos ainda eólica, biomassa, biocombustíveis (especialmente de segunda geração), e hidrelétrica. A hidrelétrica, hoje, tem que ser avaliada em confronto com alternativas de baixo impacto ambiental e climático, especialmente nos rios sedimentosos da Amazônia. Podemos, antes de construir novas usinas, elevar a capacidade instalada de usinas já existentes. E temos, ainda, uma fonte excepcional de energia completamente desprezada: economia e eficiência na geração, uso e consumo de energia. Temos perdas enormes de geração por causa, por exemplo, do assoreamento dos reservatórios das hidrelétricas e na transmissão. Por mais que o ministro das Minas e Energia, no seu desconhecimento da realidade, insista em que temos a rede mais moderna e eficiente do mundo, sabemos que ela não é e que tem problemas muito sérios de manutenção. A melhor alternativa para o Brasil é boa política energética, baseada em uma estratégia abrangente, inteligente e sem preconceitos, de base técnica e científica sólida. Hoje temos uma lista de investimentos, em grande medida influenciada pelas empreiteiras e por interesses localizados da indústria, a que chamam de planejamento.
(Original aqui.)