Ponto vital em qualquer legislação sobre partidos, eleições e políticos, a fidelidade partidária volta a dividir opiniões, com a matreira criação do Partido Social Democrático, PSD, legenda de conveniência para o prefeito Gilberto Kassab, eleito pelo DEM, evitar o emparedamento entre o PT e o PSDB paulistas e se aproximar do governo Dilma Rousseff.
A manobra de Kassab e aliados tem atraído vários demistas e serve de pretexto para oposicionistas inseguros na oposição debandarem em busca do remanso no bloco situacionista, num período em que o Planalto usa sem cerimônia o poder para cultivar — e até tentar ampliar, como se vê — a maioria parlamentar obtida nas urnas.
A questão é saber se Kassab e seguidores têm base legal para contornar o princípio da fidelidade partidária, um dos pressupostos do sistema de representação política. Ele já foi bastante frouxo no passado, quando, entre a contagem dos votos e a posse dos parlamentares, a vontade do eleitorado era transformada em farrapos por força da capacidade de atração de prefeitos, governadores e do presidente da República. Era um gritante estelionato eleitoral.
As normas ficaram mais duras, como devem ser, até que, ao responder a uma consulta, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) admitiu a troca de legenda, sem perda de mandato, por quem fosse participar da fundação de uma nova legenda.
De boa-fé, o tribunal entendeu que não fazia sentido punir alguém contrariado pelos rumos ideológicos e políticos de sua legenda e/ou por sofrer alguma perseguição no partido pelo qual se elegeu.
Abriu, porém, a brecha para a má-fé. Ora, o PSD é ressuscitado — a sigla foi criada por Getúlio para abrigar correligionários fora do figurino trabalhista do PTB, também idealizado por ele — apenas para atender à exigência da Justiça eleitoral.
Com razão, o PPS, legenda também prejudicada pela esperteza engendrada em São Paulo por quem deseja se aproximar do PT e da base do governo Dilma Rousseff, protocolou no Supremo uma Ação Direta de Inconstitucional (Adin) contra a acrobacia de Kassab e aliados.
Distribuída para o ministro Joaquim Barbosa, a ação se sustenta em argumentação bem fundamentada: em 2007, quando o STF estabeleceu que os mandatos são de propriedade dos partidos, e deixou a regulamentação do veredicto para o TSE, não remeteu um “cheque em branco” para a Justiça eleitoral.
Entende o PPS que políticos podem abandonar um partido para criar outro, mas continuam proibidos de levar na mudança os mandatos. O problema se agrava quando é perceptível que o ressurgimento do PSD visa a servir a projetos pessoais específicos.
Perguntado numa entrevista de rádio (Estadão ESPN) sobre o posicionamento ideológico do novo partido, o prefeito de São Paulo esbanjou subjetividade: “Ele não será de direita, não será de esquerda, nem de centro”, apenas contará com um “programa a favor do Brasil”. Nem contra, nem a favor, muito menos pelo contrário.
Não se nota mesmo qualquer forte justificativa para a Justiça permitir que a fidelidade partidária seja atropelada nesse surto de adesismo surgido em São Paulo.
(Original aqui.)