Muito se tem divulgado na mídia a respeito da ocupação da favela da Rocinha e o quanto isto é “bom para os moradores”. É inegável que a manutenção da ordem é fundamental para o desenvolvimento de qualquer sociedade, mas pressupor que a mera “mão de ferro” vai resolver todos os problemas é muita ingenuidade.
A ocupação das comunidades da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu por unidades leais das forças de segurança do estado do Rio de Janeiro, com apoio de blindados da Marinha do Brasil, representa muito mais do que a retomada territorial do Estado em áreas de ocupação irregular.
Para além do factual difundido, está em jogo uma agenda política até há pouco abalada pelo exílio temporário do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e as ilações de cumplicidade e tolerância do governo estadual (este e os anteriores) para com a expansão do para-militarismo.
Quando os batalhões de Choque e de Operações Especiais encabeçam a tomada dos morros sob antecedidos de investigação da Polícia Federal, a ação ganha múltiplos significados.
Do ponto de vista do controle territorial, implica que o Estado exerce sua soberania em lugares que fisicamente estavam parcial ou totalmente abandonados há quase três décadas.
Programas anteriores, como as políticas do primeiro governo de Leonel Brizola (1983-1986) e os do ex-prefeito Luiz Paulo Conde (o Favela-bairro), não concluíram a instalação dos aparelhos e serviços públicos proporcionados pelo poder oficial nesta região.
Outro aspecto relevante é um esforço do governo do ex-tucano e aliado de Lula, Sérgio Cabral Filho(PMDB), de provar que a política das UPPs tem como meta atingir a todas as facções de redes de quadrilha.
Na maior parte das ações anteriores, as áreas retomadas estavam sob controle do Comando Vermelho (CV) e suas ramificações, não sendo atingidas comunidades controladas pelo Terceiro Comando (TC) e os Amigos dos Amigos (ADA).
Tampouco esta política de segurança atingira interesses de grupos de milícias. Desta vez as autoridades eleitas na cidade e no estado intentam demonstrar para o mundo que o Rio se habilita a receber grandes eventos internacionais sem fazer uma aliança tática com o crime organizado. Resta saber se a aparência espelhará a essência desta relação pouco ou nada republicana.
Hoje paga-se o preço do descaso. No vazio da autoridade, somada às formas de sobrevivência dos moradores mescladas com a economia varejista do tráfico fizeram do Grande Rio uma metrópole com poder paralelo nascido nas entranhas da repressão.
Jamais haveria a possibilidade do crescimento das redes de quadrilha sem o amparo da malha de corrupção policial. Ocupar favelas é a parte simples da tarefa; mais complexo será garantir os direitos constitucionais destes moradores e desentranhar as milícias de dentro da PM e da Polícia Civil.
(Original aqui.)