Mais um artigo a respeito da presença do estado na favela da Rocinha. E mais uma vez, vemos a necessidade de se ir além da mera ocupação militar daquela região.
A coluna de ontem sobre os próximos passos necessários para a consolidação da retomada, pelo poder público, dos territórios anteriormente ocupados pelo tráfico de drogas — que com a tomada da Rocinha ganhou ainda mais relevância — levou a que vários leitores enviassem seus comentários.
Selecionei dois, um tratando de aspectos da formalização das atividades econômicas naquelas comunidades, e outro sobre um aspecto colateral interessante, a representação política de localidades como a Rocinha, com cerca de cem mil habitantes, incrustada na Zona Sul do Rio.
O professor Saulo Rocha, do Departamento de Gestão e Empreendedorismo da Universidade Federal Fluminense, deteve-se especialmente em três aspectos do problema:
* Diagnóstico das comunidades
Preocupa-o não haver um gestor com capacidade de trabalho e liderança para planejar, desenvolver, operacionalizar e monitorar o complexo projeto da UPP Social junto aos poderes públicos, ONGs e representantes do Sistema S (Sebrae, Senac e Sesi/Senai), como ele identifica na área de segurança essa pessoa no secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame.
Ele dá como exemplo claro dessa descentralização de poder e confusão o lançamento do primeiro diagnóstico social e de infraestrutura em comunidades pacificadas realizado pelo Iets, do economista André Urani, com aproximadamente 8 mil entrevistados em suas residências nas favelas, lançado em outubro de 2010.
“O que deveria ser uma iniciativa do poder público tornou-se uma iniciativa patrocinada privada, sendo pouco utilizada pelo poder público”.
Se a administração pública e os gestores dos 197 programas tivessem olhado para este estudo, diz o professor Saulo Rocha, saberiam, entre outras coisas, que 74% das ruas e becos do Morro da Providência não possuem identificação, ou a inexistência massiva de identificação de domicílios no Pavão-Pavãozinho, impedindo o serviço dos Correios nas favelas pacificadas, onde os moradores precisam pagar taxa mensal média em torno de R$ 8 para a associação de moradores realizar o trabalho dos Correios.
“Ausência de diagnóstico provoca enfraquecimento do planejamento e da operacionalização pela visão turva do que precisa ser realizado, a partir do ponto de vista de quem mora na favela”.
* Informal Versus Ilegal Versus Injusto
O “ilegal” é definido a partir de qual ponto de vista, pergunta o professor Saulo Rocha: da sociedade, da lei ou do morador?
“Certamente, a venda de produtos piratas é ilegal e deve ser punida, o bar ou restaurante não formalizado deve ser formalizado. Mas algumas situações devem ser discutidas, e a ‘evangelização da formalização’ (termo escutado em evento de empreendedorismo) precisa ser repensada para a complexidade que a informalidade exige”.
“A sugestão neste caso é a flexibilização, pois a lei não contempla toda a complexidade da informalidade”, comenta Rocha.
* Microcrédito
O professor Saulo Rocha estuda quais, como e de que forma as micro e pequenas empresas empregam os cidadãos de baixa renda. A partir dos resultados dessas pesquisas no Brasil, pretende compará-los com a situação na Índia e oferecer novas propostas de políticas e práticas públicas que possam reduzir os níveis de pobreza urbana em nossa cidade.
Ele lembra que, em recente palestra, o professor Aneel Karnani — da Ross School of Business da Universidade de Michigan — apresentou estudos sobre endividamento de comunidades de baixa renda na Índia e como a oferta de microcrédito não alterou o nível de pobreza naquele país nos últimos 30 anos.
Saulo Rocha acha que se fala pouco sobre a criação de empregos para residentes nessas comunidades. E faz várias perguntas:
Poderíamos incluir empresas privadas no processo de criação de empregos?
As empresas a se instalarem no entorno das comunidades poderiam contratar essas pessoas com base em algum incentivo fiscal?
Os moradores com Bolsa Família nas comunidades poderiam ser beneficiados por empregos? Em troca disso, deixar o programa federal?
De fato, já existem alguns projetos nesse sentido. Quanto à qualificação de mão de obra, a ideia é usar os cursos do Sistema S (Sesc, Senai etc.). A Coca-Cola quer empregar jovens das favelas para distribuírem seus produtos nas biroscas, cuidarem da exposição das bebidas nos pontos de venda.
A Petrobras tem programas de formação, mas não há jovens das comunidades carentes neles. A Fetranspor vai ajudar no treinamento e contratação de jovens para ajudar na manutenção dos ônibus.
Os cursos do Sebrae/Senai têm que ser requalificados para atrair esses jovens. Falta casar a demanda de empresas com o currículo de cursos.
Já o cientista político Nelson Paes Leme, desde o seminário sobre a reforma política promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, em parceria com a Firjan e o TRT em 2007, defende a tese de que “de nada adianta a implantação no Brasil de uma reforma política que venha a adotar o voto distrital, quer misto ou não, se não mexermos corajosamente em nossa estrutura federativa na qual o distrito não significa rigorosamente nada, como ente federado”.
Ele considera o caso da Rocinha emblemático: a comunidade não padecia apenas de falta de segurança. Serviços públicos elementares, como transportes, coleta de lixo, postos de saúde, saneamento básico, energia, educação e comunicações etc. estão sendo implantados em regime de mutirão, depois de anos de abandono pelos demais entes da Federação, responsáveis por sua gestão.
A segurança era apenas a ponta do iceberg. Segundo Nelson Paes Leme, casos como o da Rocinha são muitos e repetidos nas periferias das mega aglomerações urbanas brasileiras “que demonstram a falência literal desse modelo macro municipalista que se instalou no Brasil, fruto de uma formação autoritária e vertical”.
(Original aqui.)