“Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente. E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente. Mentem, sobretudo, impunemente. Não mentem tristes. Alegremente mentem. Mentem tão nacionalmente que acham que mentindo história afora vão enganar a morte eternamente”.
Pois sim…
Apelo para o poema “A implosão da mentira”, de Affonso Romano de Sant’Anna, sempre que esbarro em algum caso exemplar de mentira. Porque um desses exige uma resposta exemplar. E não conheço outra melhor do que o poema de Affonso, mineiro de nascimento, autor de mais de 40 livros. Um deles: “Que país é este?”
Na última sexta-feira, um auxiliar de Dilma encastelado no Palácio do Planalto indignou-se ao ler no jornal O Estado de S. Paulo reportagem de Tânia Monteiro sob o título “Planalto aborta visita de Dilma a obra da Transnordestina ao constatar abandono”. Perguntou agressivo em seguida: “Isso aqui é delírio de quem? Do jornal ou da repórter?”
Eis a abertura da reportagem de Tânia: “Grades de proteção para afastar a multidão, toldos e um palanque foram desmontados às pressas na manhã de quarta-feira, 8, depois que a presidente Dilma Rousseff cancelou a viagem a Missão Velha, no sertão do Cariri (…) porque o palco da festa fora montado num trecho de obra paralisada da ferrovia Transnordestina.”
A 24 horas da visita de Dilma, apenas quatro empregados trabalhavam na ponte 01 de Missão Velha, Ceará.
Restavam 190 dos 813 ocupados nos três trechos da estrada no início de dezembro. E apenas 299 nas obras da transposição do rio São Francisco na altura da cidade de Mauriti. Antes eram 1.525.
O auxiliar de Dilma deve ter imaginado que Tânia escrevera sua reportagem sem sair de Brasília.
De fato, ela visitou a região com antecedência. Conferiu o que viu e ouviu.
Teve mais sorte do que eu. Estava no Rio na quarta-feira passada quando soube da encrenca em que se metera na Bahia o general Gonçalves Dias.
Comandante da 6a.Região Militar, cabia-lhe a tarefa de enfrentar os policiais militares grevistas que haviam tomado o prédio da Assembleia Legislativa do Estado. Não lhe faltava experiência para tanto – pelo contrário.
Faltou-lhe bom senso. Esqueceu que general não precisa ser simpático. Basta que seja eficiente.
No primeiro dia que passeou sua calvície em frente ao refúgio dos amotinados, o general ganhou um bolo de presente porque aniversariava.
Ouviu parte dos grevistas cantar parabéns para você.
Foi fotografado abraçado com um PM. Emocionou-se. E por fim, chorou.
O general romântico! O general do povo!
Com Dilma presidente, PM bandalho não ganha mais anistia, nem general chora abraçado com fora da lei.
Apurei então por telefone que o general perdera o comando da repressão aos grevistas. Fora conivente demais com eles.
Publiquei a notícia no meu blog. Para quê? Para nas quatro horas seguintes quase ser soterrado por solenes desmentidos.
O ministro da Justiça desmentiu.
O governador da Bahia desmentiu.
O porta-voz do general desmentiu.
E o próprio general desmentiu. Transferiu-me sua angústia que só terminou quando li mais tarde reportagem de Tânia Monteiro no site do jornal O Estado de São Paulo. Tânia cobre a área militar há 27 anos. Entende mais do riscado do que muito cabra fardado. Generala Tânia!
O comando da repressão aos grevistas fora transferido para o general Benzo, Comandante Militar do Nordeste, informou Tânia.
O governador da Bahia telefonara para Dilma e o ministro da Justiça censurando o comportamento de Gonçalves Dias – e com razão.
Dilma estava furiosa com o general. Que por sua vez admitira para o governador ter se excedido.
Ao contrário de outros países, ninguém aqui é obrigado a falar com jornalistas ou a ajudá-los.
Desrespeita o distinto público, porém, e deveria ser punida com rigor a autoridade que informa errado e que mente a jornalistas. Ao cabo, engana o povo.
“Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura”.
(Original aqui.)