Um nome de sabonete da década de 50 acompanhou por muitos anos a vida dos consumidores brasileiros: “vale quanto pesa”. O símbolo da balança, estampado na embalagem amarela, garantia a legitimidade do “sabonete das famílias” e reforçava o conceito de verdade, que o consumidor poderia constatar ao ver que não havia um grama de peso a mais ou a menos.
Como diz o vulgo, era uma época de “verdade verdadeira”. De lá para cá, a verdade perdeu substantivos e ganhou superlativos, como se pode ver no mote desses tempos virtuais: “vale muito mais do que pesa”.
Essa versão embala, hoje, a propaganda de carros e, até, de jogadores. Ronaldo, o fenômeno, em seus tempos de Corinthians, assim era carimbado: “vale mais do que o rendimento em campo”.
A teia de recordações cai bem no momento em que o Brasil se prepara para vivenciar mais um ciclo eleitoral. Breve, o superlativo dominará espaços midiáticos dos partidos, a verdade se cobrirá com as cores da ficção, os atores políticos deixarão o chão da política real para subir às nuvens da política virtual.
A passarela entre os dois universos será pavimentada por três tipos de argamassa, a serem dosados por candidatos, patrocinadores e equipes, de acordo com o jogo de conveniências: a razão, a emoção e a polarização.
O desfile da razão deixa ver, na linha de frente, a primeira mandatária, cujo perfil técnico é mais afeito às retas da política do que às curvas, conforme se depreende da intenção de se manter equidistante das campanhas, por ser “presidente de todos os brasileiros”.
O traçado retilíneo que a presidente esboça, extraído da cartilha cartesiana sobre a sua mesa, implica saber o que ocorre em todas as frentes e fundos da administração, cobrar providências de ministros, acompanhar a dinâmica das ações, eleger prioridades, não se curvar às pressões de natureza política, enfim, cumprir a ordem estabelecida.
Como a menor distância na política nem sempre é uma reta, conforme ensina a geometria euclidiana, ou uma escala que começa com as coisas simples para se chegar às questões complexas, na lição de René Descartes, a rigidez da presidente esbarra no flexível corpo político. E, então, o curto-circuito acontece.
A insatisfação das camadas governistas, acirrada nesse momento de busca de recursos para as bases, se apresenta em forma de manifestos, votos contrários aos interesses do Palácio do Planalto e até parcerias entre partidos adversários. O aviso é claro. As regras cartesianas que guiam a administração não se aplicam a algumas partes que integram a morfologia política. O governo tende a fraquejar se insistir na rigidez.
Analisemos, agora, outra ponta da régua. Se a presidente Dilma é o perfil que mais se identifica com o conceito de razão, seu patrocinador e antecessor, Luiz Inácio, é o mais celebrado ícone da emoção no altar do poder.
Lula porta um DNA de alta sensibilidade, que se traduz no jeitinho peculiar de tratar a política, nas manobras para agregar parceiros de bandas diferentes, na adjetivação direta com que brinda as turbas, fatores amplificados pela sincronia de gestos e voz. Ao redor de Lula, a semântica desarrumada cruza com uma estética improvisada, contribuindo ambas para compor um perfil populista.
Não por acaso, a fonte da razão, quando lhe falta água, busca o poço da emoção para suprir necessidades. O ritual é conhecido. Após costumeiras visitas a Lula, a presidente sempre parece disposta a dialogar com a classe política. Adquire jogo de cintura. Com direito a se emocionar, como se viu na despedida de Luiz Sérgio, que cedeu o posto de ministro da pesca ao senador Crivella.
Ao suavizar a imagem com lágrimas, nossa governante mostrou aos governados que é “gente como a gente”, humana (e passível de emoção) como todos. Fica também evidente que a liturgia emotiva acaba construindo um suporte de simpatia, por meio do aparecimento de dois fenômenos psicológicos: a projeção e a identificação. (Dias atrás, constatamos que até feições de brita, como a de Vladimir Putin, são capazes de verter lágrimas. Sinceras ou de crocodilo, fica a dúvida).
Dito isto, chega-se ao ponto maior de interrogação: que vetor comportamental terá mais influência nas campanhas? Algumas hipóteses devem ser consideradas.
Atente-se, primeiro, para o ethos nacional, cuja composição agrega valores como: cordialidade, improvisação, exagero, instabilidade, paixão, amizade, solidariedade. O acervo aponta para a “alma caliente” dos trópicos em contraposição à frieza anglosaxã. Donde se deduz que, em nossas plagas, a emoção ganha da razão.
Na imensa maioria dos 5.564 municípios brasileiros, essa tocha acenderá a fogueira eleitoral. Em espaços, como o de São Paulo, onde a disputa será mais uma luta na guerra entre petistas e tucanos para dominar o mais ambicionado pedaço político do país, o eixo da emoção também será elevado.
A mais virulenta oposição ao petismo/lulismo se origina em estratos médios da capital paulista. No contraponto, os mais resistentes exércitos petistas estão nas margens sociais da paulicéia. Haverá, portanto, um fio emotivo separando territórios.
No plano dos candidatos, essa também será uma tendência. José Serra, ícone da razão, como Dilma, desperta simpatias e antipatias. Seu apoio mais forte advém de estratos mais elevados da pirâmide. Enfrentará Fernando Haddad, um perfil novo, conduzido por Lula, o papa da emoção.
A conclusão é óbvia: o simbolismo expresso por candidatos e apoiadores (incluindo a presidente Dilma) despertará os ânimos. A emoção será mais forte que a razão.
Por último, resta lembrar que a campanha será influenciada pela TV, o mais emocional dos meios de comunicação. Joseph Napolitan, que foi consultor do presidente John Kennedy, dizia: “os eleitores do coração são mais numerosos que os votantes que escolhem com a cabeça”.
Resumo: uma eleição é ganha pela emoção ou perdida por falta dela. Com o adendo: quem valer mais que o peso terá melhores chances.
(Original aqui.)