Nosso presidencialismo está sujeito, por natureza, a crises como a que o governo enfrenta. E não é de hoje. Elas aconteceram ao longo da República de 1945 inteira e só foram interrompidas pela ditadura. Depois da redemocratização, tornaram-se constantes.
A origem de todas é a mesma: a fragmentação de nosso quadro partidário, dividido entre muitos partidos, a grande maioria dos quais não-programáticos. Em outras palavras, disperso e desorganizado do ponto de vista ideológico.
O sistema político brasileiro sempre se caracterizou por um multipartidarismo sem hegemonia, no qual nunca nenhum conseguiu tamanho suficiente para governar sozinho. Sequer para liderar uma coalizão sem depender de outros no dia a dia do relacionamento entre Executivo e Legislativo.
No Brasil, o normal sempre foi haver quatro ou cinco partidos maiores, outros tantos de porte médio e alguns pequenos. Em 1964, havia 13. Hoje, são 29. Quantos têm, de fato, conteúdo e ideias?
De 1985 para cá, não houve um governo que não vivesse as dificuldades decorrentes da proliferação de partidos sem estrutura e ideologia. Conseguir contar com a maioria do Congresso foi um desafio para Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula, assim como está sendo para Dilma.
Em todos, a história se repetiu. Depois de um começo sem sobressaltos, em que suas maiorias funcionavam – seja por terem recém saído de vitórias eleitorais, seja por haverem assumido em ambiente de tensão institucional -, passaram a enfrentar turbulências.
A cada novo problema, seus operadores políticos precisavam ter mais argumentos para formá-las e mantê-las. Se a popularidade baixasse, o preço subia. Se o tema em pauta fosse delicado, idem.
Hoje, no cálculo de seus principais estrategistas, o governo não conta, de verdade, com mais de 150 deputados. E as oposições sabem que os seus mal chegam a 100.
Trocando em miúdos: governismo e oposicionismo – em sentido programático e ideológico – representam, somados, apenas a metade da Câmara. A segunda metade, a rigor, nem é uma coisa, nem outra. Pode tanto estar aqui, como lá.
Tende a ser, por conveniência, governista, enquanto isso significa algum ganho. Quando as torneiras se fecham, amotina-se. Com números um pouco diferentes, algo parecido ocorre no Senado.
Como sair de uma situação como essa?
Para o PT – que está e pretende continuar no poder depois de 2014 -, só há um caminho: crescer, de sorte que sua dependência de coalizões governativas instáveis se reduza em um próximo governo.
Daqui a dois anos, a meta do partido seria, portanto, reconquistar a presidência e, ao mesmo tempo, ampliar as bancadas na Câmara e no Senado.
O alcance desse objetivo passa, pelo menos em parte, pelas eleições municipais deste ano. Conquistar prefeituras, especialmente em cidades médias, ajuda a atingi-lo.
Alguns de seus parceiros veem isso com clareza. E não com bons olhos. Particularmente o PMDB, o que mais prefeituras possui.
O primeiro sinal da crise de agora foi um manifesto de cerca de 50 deputados do baixo clero peemedebista – logo encampado por algumas de suas principais lideranças. Entre outras queixas, dizia:
“Estamos vivendo uma encruzilhada, onde o PT se prepara, com ampla estrutura governamental, para tirar do PMDB o protagonismo municipalista e assumir seu lugar como maior partido com base municipal do país”.
É fato. Mas o que está em jogo não é o “protagonismo municipalista”, e sim o peso relativo dos partidos no Congresso a ser eleito em 2014.
Ao PT, é o que resta fazer. E é que o PSDB faria, se estivesse em seu lugar.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi