Mesmo entre os inicialmente mais entusiasmados no PT com o plano do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, já começa a subir às gargantas o gosto amargo do arrependimento e a tomar conta dos espíritos a certeza de que amigo foi quem avisou.
O PMDB alertou, os senadores petistas Delcídio Amaral e Jorge Viana ponderaram: uma comissão parlamentar de inquérito não é arma que se manipule impunemente nem instrumento de maioria, muito menos de governo bem avaliado sem grandes problemas políticos no horizonte, apesar do acúmulo de contenciosos a serem resolvidos na base de sustentação.
Em vez de dar ouvidos aos prudentes, Lula deu corda e o PT embarcou numa aventura que por ora tem rendido mais possibilidades de malefícios que a produção de benefícios ao partido.
Na CPMI criada com objetivo primeiro implícito e depois tornado explícito de “desmascarar” os autores “da farsa do mensalão”, o inesperado vem proporcionando reiteradas surpresas ao partido.
Nada tem saído de acordo com o roteiro original.
A previsão era desqualificar o trabalho investigativo da imprensa (revista Veja em particular), embaraçar o Supremo Tribunal Federal à proximidade do julgamento do processo qualificado como farsesco, levar ao patíbulo o procurador-geral da República, que em suas alegações finais acrescentou veemência à denúncia feita pelo antecessor.
Pretendia-se também potencializar a repercussão do envolvimento do senador Demóstenes Torres com a máfia Cachoeira e promover um revide ao governador Marconi Perillo (GO) por ter tornado público o aviso dado ao então presidente Lula sobre a existência de um esquema de cooptação de parlamentares em troca de dinheiro.
A ideia era manter as investigações sobre os negócios da construtora Delta restritas a governos da Região Centro-Oeste de forma que a CPMI assumisse um caráter “periférico”.
A “garantia” de sucesso seria a fidelidade dos aliados, cujos interesses avaliavam-se convergentes, e no limite, se tudo o mais desse errado, um acordo com a oposição a fim de que a soma dos fatores resultasse em zero.
E o que PT conseguiu até agora? Da meta, só a convocação do governador de Goiás, mas ao preço de ver um governador do partido (Agnelo Queiroz, do DF) também chamado à CPMI para dar explicações.
O procurador saiu do foco por força do impedimento legal de conjugar o papel de testemunha à função de investigador. A imprensa deixou de ser alvo quando os delegados responsáveis pelos inquéritos que originaram a comissão atestaram a natureza estritamente profissional das conversas entre a Veja e Carlos Augusto Ramos, o Cachoeira.
O intuito de constranger o Judiciário, se de um lado feriu a imagem do Supremo, de outro levou os magistrados a se manifestarem em defesa da máxima celeridade possível ao julgamento do mensalão.
As parcerias não se mostraram firmes como o pretendido – ao contrário, movimentaram-se ao ritmo de cada um por si conforme as circunstâncias – e acabou sendo requerida a quebra dos sigilos da Delta em âmbito nacional.
Resultado: está aberto o espaço para a entrada do governo federal na dança, uma vez que a Delta é a principal empreiteira das obras do PAC, e em tese criadas as condições para que o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, maior contratante regional da empresa, venha a ser chamado caso a documentação revele favorecimentos indevidos à construtora comandada pelo amigo Fernando Cavendish até a eclosão do escândalo.
Na relação de perdas por enquanto sem ganhos, podem-se incluir ainda dois desgastes: a explicitação da aliança com Fernando Collor e o flagrante da mensagem enviada pelo deputado Cândido Vaccarezza ao governador Cabral, sugerindo a oferta (na realidade, sem lastro) de salvaguardas.
Um passivo considerável a ser administrado pelo PT na tentativa de recomposição da maioria, cujo saldo para o partido por enquanto é negativo. Não obstante, por isso mesmo, possa vir a ser extremamente positivo para aquilo que no papel se propôs a fazer a CPMI.
(Original aqui.)