Semana passada, esta coluna tratou dos prazos de campanha, um aspecto controverso de nossa legislação eleitoral. Em tela, o caso de São Paulo.
Este ano, dois dos principais candidatos à prefeitura da cidade já receberam punição por fazer “propaganda antecipada”. José Serra e Gabriel Chalita – e os diretórios estaduais do PSDB e do PMDB – foram condenados a pagar multa de R$ 5.000,00.
Face ao que se gasta para fazer política no Brasil, uma ninharia. Mas relevante no plano simbólico.
A discussão foi a respeito do uso promocional dos horários que a Justiça Eleitoral reserva – a cada semestre – aos partidos.
Nos termos da legislação, esses só podem ser usados para três finalidades: a “difusão dos programas partidários”, a “transmissão de mensagens aos filiados” e a “divulgação da posição dos partidos em relação a temas político-administrativos”.
A lei veda, especificamente, que neles se faça a “divulgação de candidatos a cargos eletivos”. (Não deixa de ser curioso que a proíba na mesma frase em que veta a “defesa de interesses pessoais ou de outros partidos”. É como se nossos legisladores entendessem que mostrar seus candidatos é tão condenável quanto defender causas privadas ou extra-partidárias.)
Não foi – a rigor -, portanto, por “propaganda antecipada” que Serra, Chalita e seus partidos mereceram castigo. Sofreram a sanção por mau uso do tempo – e não por fazê-lo naquele momento.
Como disse, em seu despacho, o juiz que multou Serra: o tucano fizera “propaganda dissimulada”, aproveitando-se do horário partidário para se promover. É isso que a lei não permite, independentemente de quando.
Outra coisa é a “propaganda antecipada”, também reprimida por nossa legislação.
Ao contrário do que pensam alguns – entre os quais muitos comentaristas, que deviam conhecê-la melhor – a lei não coíbe os pronunciamentos políticos antes da eleição.
Seria absurdo se o fizesse.
Ela autoriza, nominalmente, “a participação de filiados a partidos políticos e pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos (…)”.
O que não permite é “o pedido de votos”. (E requer das emissoras tratamento isonômico para todos os candidatos.)
Ou seja: as lideranças e os candidatos não estão proibidos de se apresentar, discutir a eleição e revelar propostas. O que não podem, antes do início oficial da campanha, é solicitar, explicitamente, o voto – mesmo porque só há candidaturas efetivas depois das convenções.
A fronteira entre a discussão política – autorizada – e o pedido de votos – reprimido – não é clara. Quando, por exemplo, uma liderança afirma que considera melhor o candidato de seu partido, comete crime? Deveria ser punido por “propaganda eleitoral antecipada”?
Quando Lula foi ao programa do Ratinho e afirmou que achava que “São Paulo precisa de um prefeito que tenha o mesmo entusiasmo que Fernando Haddad mostrou quando era ministro da Educação”, cometeu um crime?
A julgar pela crítica quase unânime que recebeu de nossa “grande imprensa”, pareceria que sim. E dos mais graves.
Não há, no entanto, nenhuma diferença fundamental entre o que fez Lula e o que fizeram Serra e seus simpatizantes quando a candidatura do tucano foi lançada. Ele mesmo esteve na televisão, para dar longas entrevistas, falando como candidato. Os amigos – agindo legitimamente – ressaltaram suas qualidades e sublinharam que a cidade precisava de alguém como ele.
Mas talvez haja uma distinção. Lula falou para o “povão”, em um programa popular, conversando com um apresentador popular. Os defensores de Serra preferiram os jornais – especialmente os “grandes” – e os talk shows de fim de noite.
Ninguém vê crime em declarações desse teor à “grande imprensa” – e não há mesmo.
Por que haveria quando elas são feitas na televisão popular?
(Original aqui.)