A notícia publicada no “Estadão” seria capaz, sem dúvida, de gerar o choro de Montesquieu e dos Federalistas.
Em resumo, a notícia afirma que um ministro do STF se encontrou com o atual presidente da República e dois ministros de Estado na noite do último dia 27 de junho para “tratar da reforma política”. Dois outros fatos são narrados no texto: 1) Apesar do Palácio do Planalto ter informado que a reunião já estava marcada há tempos, ela não aparecia na agenda oficial do presidente ou na dos ministros; 2) “Coincidentemente”, no dia seguinte o presidente nomeou a pessoa que será a próxima Procuradora-Geral da República. Termina o texto indicando que a escolha “tem o aval” do referido ministro do STF.
Vou deixar de lado o fato de que, segundo a notícia, mais uma reunião do atual presidente ser indicada como algo oficial sem estar em sua agenda. Igual a outra reunião ocorrida meses atrás, em que um grande empresário brasileiro encontrou-se — também à noite — com o presidente e fez gravações que, comprovadamente, são verdadeiras. Isso fica pra outro momento.
Corta para meados do século XVIII. Montesquieu, na França, escreve seu livro O espírito das leis. Baseando-se no sistema político inglês, Montesquieu defende claramente a separação das funções do Estado. Ou, como comumente — ainda que erroneamente — se diz, defendeu a separação de poderes. Deve haver um poder Executivo, um poder Legislativo e um poder Judiciário, cujas funções são exclusivas. Um poder não deve e não pode se imiscuir nas atividades do(s) outros. Só assim garante-se a liberdade individual, já que a separação de poderes logicamente leva ao enfraquecimento do poder que o Estado tem de subjugar o cidadão.
Mas o pensamento de Montesquieu tem falhas. Uma delas é o estabelecimento do poder Judiciário. Diz o autor que tal poder “é praticamente nulo”, já que julgará apenas as causas que se lhe apresentarem. Além disso, o poder Judiciário seria “temporário”, isto é, só atuaria — ou melhor, só existiria — quando chamado a atuar. Fora de tal momento, com as pessoas vivendo em paz uma com as outras, não haveria poder Judiciário, já que não existiria conflitos entre as pessoas.
Avancemos na história. Fins do século XVIII. “Os federalistas”, nos EUA, criam efetivamente a separação de poderes. Digo “efetivamente” porque aí sim o poder Judiciário não apenas seria uma instituição permanente como também exerceria poder efetivo frente aos outros dois poderes. E isto ocorreria por meio do controle de constitucionalidade.
(Isso aqui é só uma rápida apresentação da teoria destes autores. Se você quiser uma visão mais aprofundada do pensamento de tais autores, clique aqui para assistir a um vídeo ou clique aqui para baixar um resumo.)
Moral da história: para ambos autores (Montesquieu e “Os federalistas”), o cidadão só pode ser efetivamente livre se os poderes estiverem separados em sua atuação. E tal ideia, ainda que sintetizada em uma única frase, é extremamente relevante para os dias atuais. Inclusive para a ideia de democracia: só pode haver efetivamente um sistema democrático se os poderes forem separados entre si. Se os poderes atuarem em conjunto o que existe é uma ditadura, já que não existe a mínima possibilidade do cidadão atuar sozinho contra toda a força do Estado.
Repito: se os poderes atuarem em conjunto o que existe é uma ditadura, não uma democracia.
Agora, como bom professor, deixo aqui um exercício para casa. Analisem a notícia acima à luz dos pensamentos de Montesquieu e “Os federalistas”. Depois respondam: vivemos em um Estado “democrático” de Direito ou em uma ditadura disfarçada de democracia? Quem acertar ganha uma balinha de menta.
Um abraço a todos e até a próxima!
Prof. Matheus Passos
Muito bom, professor. Agora respondendo a pergunta, uma ditadura travestida de democracia. Ganhei uma bala de menta!!
Rs, é isso mesmo. Ao vencedor, as balas! 🙂
Excelente texto!
também concordo com o Arnaldo!
Obrigado de novo por participar! E parabéns pela balinha de menta 😛