Reportagem da Folha de S.Paulo fala sobre o crescimento de ideias próximas à esquerda, reascendendo o (velho) debate sobre direita e esquerda. Afinal, o que são tais ideias? E mais que isso, é ainda possível falar em direita e esquerda?
Já falei um pouco sobre este tema em outros dois textos (ver aqui e aqui). Mas sempre é bom relembrar a “disputa” entre estas duas visões de mundo.
Como é de conhecimento geral, a distinção entre “direita” e “esquerda” surgiu durante a Revolução Francesa. Os partidários do rei sentavam-se à sua direita e os adeptos de revoluções sentavam-se à esquerda. A distinção continuou posteriormente, com os adeptos da monarquia sentando-se à direita na Assembleia Nacional e os defensores da república sentando-se à esquerda.
A evolução do uso destas expressões continuou durante todo o século XIX, com diferentes aplicações em países distintos. A “regra geral”, contudo, permaneceu: à direita estavam aqueles mais conservadores e à esquerda os mais progressistas.
No século XX a distinção permaneceu vigente. Mais que isso, diria até que se aprofundou, com a “direita” sendo associada ao sistema capitalista e a “esquerda” sendo associada ao socialismo/comunismo. Dicotomia maniqueísta, mas útil, especialmente em tempos de Guerra Fria.
(Claro que o que está acima é um brevíssimo resumo. Há uma série de livros sobre o tema caso você queira aprofundar seus estudos.)
E hoje? Há ainda como se falar em “direita” e em “esquerda”?
Muita gente diz que não. Afirmam que a distinção entre “direita” e “esquerda” acabou. Alguns se sustentam na queda do Muro de Berlim e no fim da União Soviética — “fim da história”. Outros afirmam que na verdade a distinção é artificial e nunca existiu. Outros ainda dizem que o que existem atualmente é uma “mistura” de “direita” e “esquerda”. E agora?
Considerando-se as três “opções” acima, eu descarto logo de cara as três primeiras. A distinção entre “esquerda” e “direita” existiu e não é artificial, mas sim fundada em ideologias distintas. Lembrando que a palavra “ideologia” nada mais é do que um “conjunto de ideias”. Portanto, se você segue determinado conjunto de ideias, você penderá mais para a esquerda ou mais para a direita.
Em segundo lugar, logicamente que não houve nenhum “fim da história” como defenderam inúmeros autores no início da década de 1990. Houve sim o fim da Guerra Fria, ou ao menos da Guerra Fria no seu padrão “EUA” vs. “URSS”, mas não deixou de haver a disputa política entre países no globo. E por mais que insistam em dizer que “o capitalismo venceu”, parece-me inegável que este mesmo capitalismo precisou se adequar às vicissitudes do tempo presente.
Em terceiro lugar, a distinção entre “esquerda” e “direita” não acabou. É plenamente possível a identificação de ideais de “esquerda” e de “direita” no discurso político. Se você acredita que a pobreza é fruto da falta de oportunidade, por exemplo, você tem uma visão à esquerda. Se você é contra a legalização das drogas, por exemplo, você tem uma visão à direita.
O que temos na atualidade, na verdade, é uma verdadeira “mistura” entre estes dois contextos políticos. E vou me utilizar dos dois exemplos acima. Se você acredita que a pobreza é fruto da falta de oportunidade e também é contra a legalização das drogas, você é de esquerda e de direita ao mesmo tempo.
Claro, é jeito de falar. O que quero dizer é que não existe mais esta lógica binária de “esquerda” e “direita”. O que existe na prática é uma fusão destas ideias, fusão causada não apenas pela rigidez dos conceitos quando tomados individualmente, mas também porque os conteúdos destes conceitos são fluidos, como se viu no exemplo acima. Não é mais possível dizer que “quem defende o capitalismo é de direita” e que “quem defende o socialismo é de esquerda”. Este é um argumento falacioso e utilizado apenas para enganar os incautos.
E quer uma prova disso? Os países (atrevo-me a dizer “todos os países”) possuem empresas públicas. Empresas de gestão estatal. Esta é uma característica típica de um regime “socialista”, “de esquerda”, usando-se a nomenclatura rígida e binária que falei acima. Mas os países também dão espaço para a empresa privada, o que é típico de um regime “capitalista” ou “de direita”. Portanto, existe claramente esta “mistura” entre os dois conceitos, de maneira que torna-se complicado — para não dizer inválido — dizer que “fulano é de direita” ou “fulano é de esquerda”.
No Brasil a coisa se complica ainda mais porque os partidos políticos não se definem como “de direita” ou “de esquerda”. No campo ideológico apresentam certo conjunto de ideias, mas no campo prático concretizam — muitas vezes — o oposto do que propõem. Isto quando não chegam ao absurdo de se autoidentificarem como sendo “partidos de centro”. E sim, isto é um absurdo: o partido que se intitula como sendo “de centro” na verdade não defende nada. Desconfiem daqueles que se dizem “de centro”!
E você, o que acha desse debate entre “esquerda” e “direita”? Deixe abaixo seus comentários ou entre em contato para debatermos o tema.
Um abraço a todos e até a próxima!
Prof. Matheus Passos
Entendo que no Brasil, o debate ideológico de direita ou esquerda intensifica-se de acordo como o momento político e econômico do país. Porém, é notório o desconhecimento de idéias do público atingido por esses debates. Como também é notório o oportunismo de certos lideres, que aproveitam de um público, onde grande parte se quer tem um conhecimento acadêmico. Por esse motivo, é que vemos aberrações nas redes sociais.
Vejo amigos, que diz odiar o socialismo e não compactuar com tais idéias, porém, não abrem mão do seu 13º ou férias remuneradas (idéias típicas do socialismo). Outros que odeiam o capitalismo, mas pregam a livre concorrência de mercado e um Estado menos interventor. Gostam do luxo e acreditam na meritocracia.
Será ha que há uma fusão de idéias? Ou são mudanças dentro das posições ideológicas?
Olá Brunel. Olha, eu acho que é bem o que você falou: desconhecimento somado ao oportunismo, que leva à catástrofe que vemos. Aqui sou obrigado a concordar com o título da página “Socialista de iPhone” (ainda que discorde de muitos conteúdos que aparecem por lá): a pessoa quer mais igualdade, mas desde que ela não contribua com nada. Ou, como você disse, exige liberdade para empreender, mas vai correndo atrás de um financiamento do BNDES, da Caixa ou de outro órgão público. Aí complica. E respondendo, eu acho que há sim uma fusão de ideias ao mesmo tempo em que ocorrem mudanças nas posições ideológicas, especialmente porque nem sempre a gente consegue identificar claramente qual proposta é de “esquerda” ou de “direita”. Por exemplo, a legalização das drogas. Por si só não é nem de uma nem de outra; aí você precisa fazer um desvio para entender que isso está vinculado à liberdade individual (então teoricamente seria mais de direita), mas que na prática a direita defende mais punição para quem usa drogas — então na verdade acaba por ser uma proposta de esquerda. Mas aí entram os conservadores… Enfim, por aí vai. Obrigado por participar! Um abraço.