O que significa ativismo judicial


Olá pessoal! Dando sequência às postagens sobre o poder Judiciário brasileiro, trago hoje uma resposta à pergunta: o que significa ativismo judicial?

A resposta é complexa, posto que existe a distinção entre judicialização da políticaativismo judicial. Por tal motivo nem sempre é fácil explicar o que significa ativismo judicial. E isto especialmente em uma época de grande protagonismo do STF na política brasileira.

De toda sorte, tentei fazer um texto simples e curto indo direto ao ponto. Dê uma lida para que, quando perguntarem a você o que significa ativismo judicial, a resposta seja fácil de ser dada.

Não se esqueçam de deixar logo abaixo seus comentários com críticas e sugestões para a melhoria do texto. Se preferir você pode entrar em contato diretamente comigo para debatermos o tema.

Um abraço a todos e até a próxima!

Prof. Matheus Passos


Pressupõe-se que um sistema político-jurídico em que as funções e responsabilidades de cada um dos três poderes estejam claramente definidas em uma Constituição seja um sistema que respeita a separação de poderes. É de se esperar que a necessária estabilidade político-jurídica calcada na liberdade individual e necessária para o desenvolvimento da sociedade seja atingida quando um dos ramos do poder do Estado não interfere nas ações dos outros.

Esta é a teoria. Na prática as coisas nem sempre funcionam como esperado. A própria história política dos Estados Unidos – berço da moderna separação efetiva de poderes, como dito no item 1.3 deste texto – assim o demonstra: houve momentos em que a força política esteve no poder Legislativo, em outros momentos tal força pendeu para o poder Executivo e há inúmeros autores que afirmam que o momento atual é de preponderância do poder Judiciário, especialmente em sua atuação nos chamados hard cases.

O caso brasileiro – de um federalismo imperfeito, já que concentra inúmeras prerrogativas no âmbito do poder federal – não poderia ser diferente. Está-se aqui a falar acerca do fato de que no Brasil o poder Executivo esteve quase sempre à frente no tocante ao exercício do poder político, com os outros poderes sendo muitas vezes acessórios ou até mesmo subordinados em relação ao Executivo.

Desta forma, a despeito do equilíbrio entre os três poderes formalmente estabelecido após a Constituição de 1988, tem-se verificado, nos últimos 10 anos principalmente, um crescimento cada vez maior do protagonismo do poder Judiciário na política brasileira. Por outras palavras, verifica-se que cada vez mais o poder Judiciário tem sido chamado para decidir questões que claramente têm cunho político-partidário, o que se afigura como prejudicial ao sistema político-jurídico brasileiro como um todo porque o poder Judiciário não pode ter coloração partidária, sob pena de ver maculada sua isenção frente às ações que irá julgar.



Neste contexto destaca-se o conceito de ativismo judicial atualmente em voga no país. De maneira sintética, entende-se por ativismo judicial a atuação do poder Judiciário para além daquilo que constitucionalmente lhe é reconhecido. Como exemplo, há claro ativismo judicial quando uma Corte, ao julgar determinada ação e verificar que não há legislação específica para o caso analisado, decide estender sua decisão para além daquele caso concreto em análise, de maneira que todos os demais casos subsequentes que eventualmente venham a surgir também sejam solucionados por aquela decisão. Esta situação é ativista porque o poder Judiciário verdadeiramente legislou acerca do tema, já que criou uma norma que deverá ser seguida por todos os demais casos – sendo que, como se sabe, a função de legislar é do poder Legislativo, não do poder Judiciário.

Além disso, outro aspecto fundamental que define o ativismo judicial está diretamente relacionado à vontade do julgador. Significa dizer, por outras palavras, que há ativismo quando o juiz decide com base em suas opiniões próprias, deixando de lado critérios jurídicos – por exemplo, quando concede determinado direito “porque é bom fazê-lo”, em vez de conceder porque “é juridicamente válido”. Nesta perspectiva “o ativismo é um behaviorismo, um comportamento” (STRECK, 2017, p. 82). Assim,

o ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis a escolha do juiz é dependente do desejo de acelerar a mudança social ou de a travar. Ademais, o ativismo se revela sob duas formas, a de uma espécie de clericalismo de juristas, se a corporação dos juízes for poderosa, ou pelo contrário, sob a forma de algumas individualidades sustentadas pela mídia, se a magistratura não tiver grande tradição de independência (STRECK, 2017, p. 83).

O ativismo judicial é ainda mais pernicioso quando esta atitude comportamental e/ou voluntarista dos juízes é fundamentada em elementos morais que não necessariamente têm aceitação social disseminada. Esta é uma situação em que ocorre a transformação do “juiz boca-da-lei” em “juiz dos princípios”, em verdadeira mutação que considera que moral e princípios são sinônimos.



Ou seja, argumenta-se nas decisões que estas são fundadas em princípios, mas estes são morais – portanto, pessoais do juiz – e não jurídicos, fundamentados no texto constitucional. Decide-se mudas vezes como se quer, fundamenta-se com o princípio moral, pessoal preferido e, ao final, incluem-se “princípios jurídicos” quaisquer na decisão para tentar garantir sua juridicidade – o que na verdade não ocorre, porque “se os princípios passam a valer mais do que as regras, altera-se toda a legislação” (STRECK, 2017, p. 83).

Há quem defenda o ativismo judicial com base em alguns argumentos. O primeiro e mais comum é dizer que os demais poderes não se manifestam, ou seja, que existe inércia do poder Legislativo em dar origem a leis que regulamentem os direitos fundamentais dos cidadãos, por um lado, e que por outro existe inércia do poder Executivo em criar políticas públicas para concretizar esses mesmos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, uma vez que tais direitos estão previstos na Constituição e que, portanto, os cidadãos têm direito à concretização de tais direitos, nada mais natural do que exigir esta concretização por parte do Estado por meio do poder Judiciário (BRAGA FILHO, 2016, p. 13). Abre-se, nesta perspectiva, uma “brecha” para que este poder cresça em relação aos demais, já que a população passa a ver o poder Judiciário como sendo “a única saída” para a implementação de tais direitos fundamentais.

Não há, ao menos sob uma perspectiva filosófico-política, como fazer prosperar este argumento. É claro que, de um lado, o Estado não pode ficar inerte frente à necessidade dos cidadãos, especialmente quando tal necessidade está diretamente relacionada a direitos fundamentais expressamente estatuídos pela Constituição. Neste sentido, acreditar que o cidadão poderá simplesmente esperar pela atuação do Estado quando se encontra em uma situação de necessidade parece ser uma atitude desarrazoada frente àquilo que se considera como racional.

Da mesma forma, também não há que se acreditar que os poderes do Estado sejam estanques, ou seja, que cada um deles exerça única e exclusivamente suas funções sem interferência dos demais. Os próprios federalistas já reconheciam (MADISON, 1993, p. 338), ainda que de maneira indireta, aquilo que se convencionou chamar hodiernamente de funções típicas e funções atípicas dos poderes instituídos (STRECK; OLIVEIRA, 2013, p. 692). Ou seja, a função típica do poder Executivo é administrar, mas como função atípica este poder irá também legislar (por decretos-leis em Portugal ou por medidas provisórias no Brasil). E o mesmo ocorre com os demais poderes.



Contudo, uma coisa é o poder Judiciário exercer uma função administrativa – portanto, uma função atípicano âmbito de sua estrutura interna. É o que inclusive a própria CF prevê, nos arts. 96 e 99, quando incumbe o próprio poder Judiciário de organizar sua estrutura por meio da eleição de órgãos diretivos, da organização de secretarias auxiliares ou, ainda, da proposição orçamentária para suas atividades dentro dos limites estabelecidos pela lei orçamentária anual. Já outra coisa completamente diferente é o poder Judiciário avançar nova legislação sob o pretexto de garantir direitos fundamentais aos cidadãos. Neste caso – em que claramente há “maior interferência [do poder Judiciário] no espaço de atuação dos outros dois Poderes” (BARROSO, 2008, p. 5) – o que se verifica é efetivamente a usurpação, por parte do poder Judiciário, de competências constitucionais que são exclusivas do poder Legislativo, no caso, o poder de legislar.

Isto, é claro, sem desconsiderar o “princípio” do livre convencimento ou livre apreciação da prova presente frequentemente nas decisões judiciais brasileiras. Logicamente que não existe tal “princípio” no ordenamento jurídico brasileiro, mas ainda existem aqueles que defendem fortemente o “livre convencimento motivado” do juiz para que este defenda suas ideias como considerar melhor. Parece claro que tal posicionamento é extremamente prejudicial ao Estado democrático de Direito como um todo: “de que adianta na democracia colocar as conquistas na Constituição, se na hora de aplicá-las depende-se de uma decisão individual, de uma vontade, de um desejo? Se, por exemplo, o problema do aborto for discutido no Supremo Tribunal, o país vai parar para saber se o ministro é católico ou não?” (STRECK, 2017, p. 88).

Outro argumento, delineado por alguns autores (por todos ver COSTA, 2013), é o de que o poder Judiciário atua apenas quando identifica determinada lacuna na legislação. No entanto este argumento também não se sustenta, especialmente porque o que se tem verificado é que a atuação dos Tribunais está ocorrendo também em casos em que a legislação claramente existe. O que tem ocorrido frequentemente corresponde a uma nova interpretação do texto literal da lei, fazendo com que a mesma se adeque às novas disposições sociais – isto quando Tribunais não arrogam para si mesmos, sem considerarem a necessidade de existência de lei, a possibilidade de ampliar seus próprios poderes (SOUZA, 2015, p. 23), o que se apresenta como deletério para a democracia brasileira.

Percebe-se, portanto, que não há aqui como se falar em ativismo judicial bom e ativismo judicial ruim, sendo o primeiro frequentemente associado à concretização de direitos fundamentais. Estes precisam ser concretizados independentemente de serem bons ou ruins, independentemente de serem moralmente certos ou errados: devem ser concretizados e garantidos pelo Estado porque são juridicamente garantidos. Defender a (suposta) distinção entre ativismo judicial bom e ativismo judicial ruim é permitir a arbitrariedade por parte daqueles que tomam decisões, o que claramente é deletério para a democracia.



Referências:

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2008. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>. Acesso em: 15 jun. 2017.

BRAGA FILHO, Flávio Augusto da Costa. O ativismo judicial como instrumento para a efetivação do acesso à justiça. Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação em Processo Civil. Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2016. Disponível em <http://hdl.handle.net/10183/158877>. Acesso em: 15 jun. 2017.

COSTA, Alexandre Araújo. Judiciário e interpretação: entre Direito e Política. Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 1, p. 9-46, 2013.

MADISON, James. Os artigos federalistas. Trad. Maria Luíza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

SOUZA, Emilly Azevedo de. Separação de poderes: teoria e crítica. In: VICTOR, Sérgio Antônio Ferreira (org.). Separação de poderes. Volume 1. Brasília: IDP, 2015.

STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Fábio de. Comentários ao art. 2º. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. Edição digital. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

STRECK, Lenio. Promessas constitucionais de modernidade e ausência de Estado social: desafios e consequências. In: MENDES, Gilmar Ferreira (org.). Grandes eventos do IDP: Direito Constitucional. Brasília: IDP, 2017.

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