Problemas estruturais do Estado capitalista


Problemas estruturais do Estado capitalista

Autor: K. Offe


O problema das teorias marxistas do Estado é que elas não levam em conta que o Estado, embora não seja ele próprio capitalista, precisa ser concebido, apesar de tudo, como um Estado capitalista – e não somente como “um Estado dentro da sociedade capitalista”.

Para determinarmos o caráter classista do Estado, não basta apenas basearmo-nos nas teorias da influência. É necessário perceber que os interesses da classe dominante expressam-se em decisões legislativas e administrativas do aparelho estatal que não são desencadeadas por interesses articulados, mas que brotam das próprias rotinas e estruturas formais das organizações estatais.

Assim, é necessário comprovarmos o caráter de classe capitalista do Estado, e tal comprovação é feita através da explicitação das analogias estruturais entre o Estado e a economia organizada sob forma capitalista.

O Estado, portanto, cria uma seletividade nas ações e decisões que toma. É o Estado quem define o que fazer, e não a burguesia. Contudo, as decisões estatais favorecem a burguesia, pois as ações selecionadas pelo Estado fundamentam o caráter classista da dominação estatal.

O aparelho estatal deve escolher e selecionar somente aqueles interesses compatíveis com os “interesses globais do capital”, de forma a favorecer sua articulação. Adicionalmente, o Estado necessita de uma seletividade que permita ao mesmo defender prática e politicamente o interesse de classes que ele próprio constituiu e reduziu ao seu núcleo racional, conferindo-lhe oportunidades de realização fundamentalmente privilegiadas.

Caso o Estado não tome tais atitudes, ele poderia ainda assim estar vinculado a interesses de classe, mas não seria um “Estado de classe”. A dominação estatal somente tem caráter de classe quando for construída de modo a proteger o capital tanto de sua própria falsa consciência quanto de uma consciência anti-capitalista.

O problema da teoria do Estado que quer comprovar o caráter classista de dominação política e sua cumplicidade estrutural com o interesse do capital global consiste no fato de que ela não é absolutamente realizável como teoria, como descrição objetivante das funções estatais e de sua inserção em um complexo de interesses. É necessária a luta de classes prática para que a teoria funcione.

O Estado, desta forma, exerce sua dominação política sem demonstrar que está exercendo-a. Para o Estado manter sua soberania em suas decisões, é necessário que o aparelho estatal assuma funções de classe sob o pretexto da neutralidade de classe e invoque o álibi do universal para o exercício do seu poder particular. O Estado precisa simultaneamente praticar e tornar invisível o seu caráter de classe. As operações de seleção e direcionamento de caráter coordenador e repressor que constituem conteúdo de seu caráter classista precisam ser desmentidas por uma terceira categoria de operações seletivas de caráter ocultador. Somente a preservação da aparência da neutralidade de classe permite o exercício da dominação de classe.

O sistema político teria, portanto, duas “faces”: uma é a simbólica, onde aparecem os conflitos políticos, as eleições, os pronunciamentos públicos e o desempenho dos papéis oficiais, entre outros. Além disso, existe também a face substantiva, que é onde ocorrem as proteções, deduções de taxas, descontos, benefícios e o processo orçamentário protegendo e servindo os grandes interesses dos produtores, ora contornando e ignorando a lei em benefício dos poderosos, ora aplicando-a com todo o seu rigor punitivo contra os heréticos e os “desordeiros”. O sistema simbólico é extremamente visível. O sistema substancial se coloca raramente em evidência, não sendo levado em conta.

Inicialmente deve ser comprovado o desenvolvimento simultâneo e convergente das funções do Estado que servem para a consolidação dos pré-requisitos do processo de valorização e das categorias de operações seletivas que fazem com que o caráter classista e específico destas funções se torne invisível.

Mais importante que este paralelismo é o critério da não-identidade de conteúdo entre a percepção das exigências funcionais da economia capitalista e os motivos mobilizados para sua implementação. Assim, “bem-estar para todos” é o lema de uma política econômica que torna a distribuição da renda cada vez mais desigual; a “educação como direito do cidadão” é proclamada quando se percebem afunilamentos no mercado de trabalho; o cultivo de motivos caritativos em relação aos países do Terceiro Mundo fornece o pano de fundo para a legitimação da conquista, consciente e ampla, de mercados. Nestas condições, a propaganda de candidatos social-democratas enfrentando seus eleitores assume quase o caráter de uma mentira necessária.

Os conflitos que surgem com tais ações servem como provas concretas do caráter de classe da dominação estatal. Para suprimir tais conflitos, os próprios social-democratas acabam radicalizando no uso da repressão e da disciplina, que são instrumentos usados pela burguesia que a social-democracia pretendia destruir.

As estruturas formais da democracia burguesa não são apenas a única alternativa realizável no contexto das relações de produção capitalistas. Elas são adicionalmente indispensáveis, devido à sua importância para as relações de produção. Suas funções são de dois tipos: elas estruturam de tal forma o instrumento de direção do poder político que o aparelho estatal, mesmo ao preço de novas contradições, consegue, dentro de certos limites específicos, superar a contradição entre produção social e apropriação privada; e permitem constituir um interesse de classe sistêmico capitalista, capaz de superar em racionalidade cada interesse individual capitalista.


Dúvidas? Entre em contato para debatermos o tema.

Um abraço a todos e até a próxima!

Prof. Matheus Passos

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